
Ao completar 60 anos, o Banco Central (BC) não é mais apenas o guardião da estabilidade econômica, mas protagonista de uma transformação digital sem precedentes no sistema financeiro brasileiro. É o que pensam nove dos seus ex-presidentes.
Durante os dois painéis realizados em 3/4 para marcar o aniversário da autarquia, os ex-dirigentes destacaram o avanço institucional do BC rumo à digitalização, à inclusão e à promoção de um ambiente mais competitivo para fintechs e novos entrantes.
Roberto Campos Neto afirmou que o BC deixou de ser apenas um executor de política monetária para se tornar também um indutor de inovação. Ele citou a criação do Pix, que superou 170 milhões de usuários em pouco mais de três anos. Também falou do avanço do Open Finance, que permite o compartilhamento de dados financeiros com consentimento do cliente, ampliando a oferta de crédito e serviços personalizados.
Concorrência
Ilan Goldfajn, que antecedeu Campos Neto, lembrou a Agenda BC+. Foi ela que abriu caminho para reformas regulatórias, redução de barreiras de entrada no mercado e estímulo à concorrência com os grandes bancos. O ambiente regulatório mais flexível, de acordo com ele, favoreceu o crescimento do ecossistema de fintechs e a chegada de bancos digitais.
Alexandre Tombini acrescentou que os esforços de modernização do BC foram essenciais para enfrentar crises como a de 2008 e a europeia de 2011, quando o uso de instrumentos macroprudenciais e ações de liquidez ajudaram a preservar a estabilidade financeira.
Mesmo ex-presidentes que atuaram antes da digitalização reconheceram o papel transformador da inovação. Gustavo Franco afirmou que a autonomia operacional, construída a partir dos anos 1990, criou as condições para que o BC desenvolvesse políticas mais sofisticadas. Gustavo Loyola e Pedro Malan ressaltaram que a credibilidade institucional conquistada ao longo das décadas foi fundamental para que essas mudanças fossem possíveis.
Além da digitalização, os ex-presidentes apontaram a inclusão financeira como eixo importante da atuação recente do BC. Campos Neto destacou que o Pix teve adoção expressiva entre as camadas mais pobres da população. Já Loyola defendeu que a estabilidade monetária é, em si, uma política social.
Apesar dos avanços, os ex-presidentes foram unânimes ao apontar a necessidade de o Banco Central melhorar sua comunicação com a sociedade. “Autonomia exige responsabilidade e transparência”, disse Campos Neto. Para Arminio Fraga, comunicar com clareza as decisões de política monetária é parte do compromisso democrático da instituição.
Bastidores
Durante os painéis, os ex-presidentes da instituição compartilharam não apenas reflexões técnicas, mas também episódios curiosos e bastidores de momentos decisivos na história da autarquia. A seguir, alguns desses relatos:
“Soava como coisa de país desenvolvido”
Gustavo Franco, ao defender a adoção do regime de metas de inflação no fim dos anos 1990, ouviu de colegas que a proposta era “coisa de país desenvolvido”. A resistência não era ao conteúdo, mas ao simbolismo de modernização, em um ambiente institucional ainda cético quanto a mudanças estruturais.
“O que vamos escrever?”
Pedro Malan relatou o estranhamento na primeira vez em que o Copom decidiu divulgar a ata de sua reunião. A equipe ficou sem saber como proceder: “O que se pode dizer? O que vamos escrever?”. O episódio marcou o início da cultura de transparência que se tornaria um pilar da atuação do BC.
Decisões às cegas
Wadico Bucchi descreveu o cenário dos anos 1980, quando decisões de política monetária eram tomadas sem dados confiáveis ou em tempo real. “A gente decidia muitas vezes no escuro”, disse, lembrando a precariedade tecnológica e os desafios de um país em hiperinflação.
“Pânico controlado”
Arminio Fraga comparou o comando do BC durante a crise cambial do final dos anos 1990 à função de um piloto enfrentando turbulência. “Eu sentia pânico, mas tinha que manter o controle. Se o piloto entra em pânico, aí sim o avião cai”, afirmou, sobre a responsabilidade de liderar a equipe em momentos críticos.
“Ninguém vai usar isso”
Roberto Campos Neto revelou que, no início do desenvolvimento do Pix, ouviu de um banqueiro que “ninguém vai usar isso”. O comentário evidencia a resistência inicial ao sistema, que mais tarde se tornaria o principal meio de pagamento do País, com adesão massiva da população.
Alertas em tempo real
Durante a crise europeia de 2011, Alexandre Tombini contou que o telefone da mesa de operações do BC não parava de tocar. Eram alertas sobre efeitos do contágio internacional chegando ao Brasil. “Era preciso agir com rapidez e precisão”, lembrou.