Mulheres trabalham mais e são menos remuneradas em comparação aos homens dentro do mercado financeiro no Brasil. A constatação é da coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGVcef), Claudia Yoshinaga. A professora liderou a publicação de um artigo que demonstra como as mulheres são sub-representadas no setor de finanças brasileiro, tanto em cargos quanto em remuneração.
Para realizar a pesquisa, foi aplicado um questionário a 214 pessoas que atuam no mercado de finanças brasileiro, a fim de entender os desafios para a participação feminina nessa área. Entre os participantes, 39,25% foram mulheres, contra uma participação masculina de 60,75%.
Contudo, o que chama atenção, de acordo com Claudia, é o fato de, mesmo sendo minoria nesta área, as mulheres que participaram da pesquisa trabalham cerca de 60,4 horas por semana; uma jornada média maior em comparação aos homens, que trabalham, em média, 57,8 horas no mesmo período.
No mundo
Dados do Think Tank Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF) apontam que mulheres ocupam apenas 35% em conselhos dos 50 maiores bancos comerciais do mundo. Em cargos de liderança, esse índice é menor ainda, diminuindo a participação feminina para 19%, com somente 16% de CEOs sendo mulheres.
Quando o assunto é finanças, no Brasil a desigualdade de gênero é ainda maior. Se no mundo inteiro as mulheres equivalem a 18% dos profissionais certificados pela Chartered Financial Analyst (CFA), certificado fundamental para atuar no mercado financeiro, no Brasil esse índice diminui para 11%.
O estudo do FGVcef também investigou qual é a primeira formação das pessoas que atuam nessa área. Entre homens e mulheres participantes da pesquisa, 63,55% possuem graduação em Administração, 14,95% em Economia e 12,15% em Engenharias.
Salário e crescimento profissional
Além de menos representatividade e menos remuneração, as mulheres também costumam enfrentar mais dificuldades quando o assunto é crescimento profissional dentro desse setor. Entre os participantes da pesquisa, aproximadamente 30% estavam no cargo de analista, outros 6,5% como estagiários, 13% associados, 15,9% gerentes, 7% superintendentes, 8,4% diretores, 2,8% vice-presidentes e 11% eram sócios.
Apesar de a distribuição entre os analistas ser quase a mesma, quando se trata de cargos mais elevados, a participação feminina cai drasticamente, com mulheres ocupando apenas 7% dos cargos de liderança. “Mulheres são minoria no topo da carreira financeira e lidam com um duplo teto de vidro: alcançar posições gerenciais e cargos com remunerações mais altas”, diz Claudia.
Em relação aos salários, o estudo encontrou que as mulheres estão no topo somente nos cargos mais altos, como sócia ou diretora. Nos demais, desde a estagiária até a superintendente, não havia mulheres com maior remuneração que os homens ocupando o mesmo cargo, principalmente quando se trata do cargo analista, que possue a melhor distribuição entre gêneros.
Outro tipo de desigualdade nesse setor pode ser associado às subáreas do mercado de finanças, nas quais os homens são maioria em Asset Management, área responsável por administrar e investir o patrimônio de uma pessoa ou empresa. Comercial e Vendas, Tecnologia da Informação e Investimentos são outros exemplos dessa área que possuem a maioria dos profissionais homens.
“As únicas subáreas em que mulheres são a maioria são aquelas relacionadas a funções administrativas e de apoio, onde as mulheres representam 10,7% contra 5,4% da parcela masculina entrevistada nesta pesquisa”, destacou a professora. Para ela, essa realidade está relacionada com um longo histórico de machismo que perpetua na sociedade há gerações e afasta as mulheres das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, sigla conhecida no idioma inglês).
Herança social
Claudia afirma que todo esse cenário é contraditório, visto que inúmeros dados socioeconômicos do país apontam que a maioria dos lares brasileiros são chefiados por mulheres:
“Ou seja, as mulheres servem para administrar uma casa, mas não uma empresa? Antigamente, mulheres não podiam trabalhar e, como ficavam limitadas ao matrimônio e não ganhavam o próprio dinheiro, não tinham basicamente o que gerir, além do ambiente familiar. Muito depois, quando as mulheres já ocupam diversos espaços no mercado de trabalho, ainda há a cultura perversa de que a gestão de finanças não é para elas”.
Este cenário histórico e social, com mulheres inseridas em lares e famílias nas quais a cultura perpetua esse tipo de pensamento, é somado a um mercado de trabalho com condições desfavoráveis para a mulher. Para ela, esses fatores aumentam a convicção do público feminino de que não é possível adentrar na área de finanças.
“O mercado de finanças pode espantar mulheres talentosas de adentrar nessa carreira e, para combater isso, é necessário tornar esse ambiente mais convidativo. Mostrar as nossas conquistas e dizer que temos chance de mudar este cenário talvez sejam os passos iniciais”, disse.
Ela complementa que é necessário criar políticas públicas capazes de fortalecer a presença e o crescimento da figura feminina nessa área. “Em primeiro lugar é preciso estimular a formação de mulheres em finanças, bem como ofertar vagas específicas para mulheres e criar políticas de promoção e remuneração transparentes.”
Outras ações que também podem contribuir para alterar esta realidade trata-se de promover canais institucionais para denúncia de assédio, melhorar as condições de trabalho e divulgar mais os dados de cargo e remuneração no setor de finanças divididos por gênero.
Para ler o artigo na íntegra, basta clicar aqui. Também é possível conferir o Trabalho de Conclusão de Curso, estudo que deu origem ao artigo, através deste link. Neste trabalho, também foi realizada uma pesquisa qualitativa, com 12 mulheres, investigando outras questões acerca do espaço feminino dentro do mundo das finanças.
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