REGULAÇÃO

Como está a representação feminina (ou a falta dela) no conselho do Open Finance

Das 13 cadeiras atuais no conselho deliberativo do sistema, há apenas uma mulher; para especialistas, quadro reflete falta de diversidade no setor

Reunião do conselho deliberativo do Open Finance, no fim de agosto. Foto: Reprodução/LinkedIn
Reunião do conselho deliberativo do Open Finance, no fim de agosto. Foto: Reprodução/LinkedIn

O conselho deliberativo do Open Finance no Brasil realizou no fim de agosto sua primeira reunião presencial, em São Paulo, com todos seus integrantes e representantes do Banco Central (BC). Uma foto do encontro, publicada no LinkedIn, chamou a atenção pela quase ausência de mulheres no principal órgão de governança do sistema. Das 13 cadeiras atuais – 7 com direito a voto, sendo 1 independente e os demais indicados pelas associações, além de 6 suplentes – há apenas uma mulher: Priscila Faro, do Mercado Pago.

O grupo é responsável por decidir as questões estratégicas necessárias para a implementação do sistema no país. Sua composição é baseada nos termos da Circular 4.032 de 23/06/2020, que traz orientações gerais do BC, entretanto, não menciona a necessidade de uma governança baseada em diversidade. Livres para indicar os nomes que comporiam o conselho — principal nível da estrutura de governança do Open Finance, acima do secretariado e dos grupos técnicos (GTs) —, as entidades seguiram a tradição.

Até pouco tempo atrás, vale lembrar, Priscila Faro dividia a representatividade feminina no conselho do Open Finance com Ingrid Barth, atual presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) e cofundadora do banco digital Linker. Ingrid havia sido indicada pela cadeira 2.3, compartilhada entre Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) e Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD).  

Critérios

Segundo Diego Perez, presidente da ABFintechs, a substituição de Ingrid foi necessária e seguiu critérios definidos pelas duas entidades para indicações ao conselho. “Fomos convidados pela ABCD a dividir a cadeira 2.3 e nas conversas ficou acordado que sempre seria um nome da diretoria das associações, para garantir o comprometimento necessário”, explica. 

No caso de Ingrid, mesmo após deixar a direção da ABFintechs no fim de 2020, ela continuou no conselho como uma indicação da entidade, pois a fintech liderada por ela é associada, afirma Diego. “Mas em algum momento ficou incompatível pela dificuldade de participar das reuniões.”

Na escolha do substituto de Ingrid, lembra o executivo, embora houvesse duas mulheres na diretoria da entidade, nenhuma tinha familiaridade com o tema. “A diretoria da ABFintechs é diversa, são cinco diretores e duas são mulheres. A diversidade é um tema importante para nós, mas naquele momento precisávamos preencher a cadeira para manter a representatividade. Então, indicamos o Marcelo Martins, que é diretor e acompanha o tema.” 

O Finsiders procurou Ingrid para falar sobre a baixa presença feminina no conselho do Open Finance, mas ela preferiu não se manifestar. 

Composição da estrutura é “privada”, diz BC

Procurado, o BC também não quis conceder entrevista. Em nota, o órgão afirma que a composição da estrutura é “toda privada”. Acrescenta, ainda: “Não cabe ao Banco Central escolher os representantes do conselho. Os representantes são definidos pelas associações que têm assento no conselho”.

Diego, da ABFintechs, reconhece que a presença feminina no conselho do Open Finance é pequena, e não é por falta de pessoas qualificadas. “Tem muitas mulheres que participam do debate. Nos grupos técnicos, há uma quantidade grande de mulheres atuando e entendo que este tema precisa ser abordado.”

O presidente da entidade se refere, na prática, aos 10 GTs montados para definir o funcionamento do Open Finance. Há quatro grupos coordenados por mulheres – GT de Encaminhamento Proposta de Crédito; GT de Dados do Cliente; GT Experiência do Desenvolvedor/Usuário; e GT de Política de Risco e Compliance. Existem, ainda, várias vice-coordenadoras mulheres, incluindo no GT de Estrutura Definitiva, responsável pelo desenho final do que será o Open Finance. 

Para Kaliane Abreu, fundadora do Women Leaders in Fintechs (WLF) — grupo criado para combater a baixa participação feminina em fintechs — o GT de Estrutura Definitiva no Open Finance tem de olhar para a questão da representatividade. “Voltar um passo sobre como foi dada a outorga de escolha pelas entidades dos representantes do conselho”, avalia Kaliane. “Será que não havia mulheres qualificadas para serem indicadas? Difícil acreditar porque há várias nos grupos de trabalho”, questiona. 

Na contramão

Visão semelhante tem Karen Machado, gerente-executiva de Open Finance do Banco do Brasil (BB). “Eu particularmente acho curioso e até na contramão do que o mundo está indo não ter uma governança, uma diversidade expressa no Open Finance desde o começo”, afirma Karen. “Tem toda esta discussão de Estrutura Definitiva que seria mais bem elaborada, mas já dura dois anos. Questões ligadas à governança deveriam ser observadas agora, não apenas a diversidade, mas também prazo de mandato para ter também pensamentos diversos que se renovam.”

O BB, que atualmente tem a primeira mulher na presidência — Tarciana Medeiros —, vem adotando diversas políticas para melhorar a representatividade nos postos de comando. Hoje, 45% do conselho diretor do banco é formado por mulheres. Recentemente, aliás, a instituição anunciou que uma de suas 12 metas para um mundo mais sustentável é atingir 30% de mulheres em cargos de comando até 2030. 

“O mundo das finanças ainda é muito masculino. Para acelerar o processo, é necessário ter de políticas afirmativas, assumimos compromissos no banco para acelerar o processo”, comenta Karen. Ela lembra, inclusive, que a desigualdade é sempre maior nos cargos estratégicos. “É só olhar para o Open Finance com várias mulheres coordenando os GTs, mas uma só no conselho. O fato de termos tantas mulheres nos grupos de trabalho que não passaram para o próximo nível, do conselho, é um indicativo de que a gente precisa de políticas afirmativas.”

A expectativa do mercado é que o tema seja contemplado como parte da governança na futura Estrutura Definitiva do Open Finance — sem prazo para ser concluída. “Estou sempre participando dos debates em torno do Open Finance, mas diversidade nunca entra na pauta. O BC faz a regra geral, mas é papel do mercado pressionar por mudanças”, afirma Karen.

Vieses inconscientes

A forte participação feminina nos GTs, porém pequena no conselho deliberativo do Open Finance, não é por acaso. A presença das mulheres no setor financeiro, de fato, ainda é reduzida, principalmente nos níveis hierárquicos mais elevados. Em 12 anos, conforme pesquisa do Centro de Estudos em Finanças da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), o percentual de mulheres nos conselhos saltou de 7% para 13%, participação inferior à média global. 

“As mulheres ocupam 35% de posições de conselho dos 50 maiores bancos comerciais do mundo. O percentual em cargos de comando, entretanto, é bem menor. Elas são 19% dos C-level e 16% dos CEOs das instituições financeiras“, diz Claudia Yoshinaga, coordenadora do centro de estudos.

Como se não bastasse serem sub-representadas no setor, as mulheres trabalham mais e recebem menos, destaca Kaliane. “No ritmo atual, sem pressão e políticas afirmativas, demoraremos 132 anos para adquirir equiparidade de gênero, o que não é aceitável.”

*Jiane Carvalho é jornalista especializada em finanças e colabora periodicamente com o Finsiders.

Veja também:

Por mais lideranças femininas na tecnologia

A jornada das CFOs: como a liderança feminina se destaca no mercado financeiro

Lift Lab, do BC, tem recorde de inscrições e mais projetos liderados por mulheres