Se o artigo Esqueceram de Mim, publicado aqui no ano passado, já serviu para ilustrar o esquecimento do EPOC (Encaminhamento de Propostas de Crédito) no Open Finance, agora no segundo artigo da série vamos olhar para outra peça do Open Finance que pegou o voo errado: a monetização.
A monetização está no roteiro desde o início, desde a Resolução Conjunta nº 1 de 2020. O Art. 36 permite que instituições celebrem acordos de parceria, inclusive para compartilhar receitas e viabilizar novos modelos de negócios. Já o Art. 42 fala do ressarcimento de despesas pelas instituições transmissoras. Ou seja, o entendimento é que quem compartilha os dados não deveria carregar esse custo sozinho.
Mas, assim como o garotinho Kevin do filme se viu vagando pelas ruas de Manhattan sem supervisão, a monetização do Open Finance foi deixada à própria sorte.
Na prática, apenas os Iniciadores de Transações de Pagamento (ITPs) têm explorado o caminho das parcerias previsto na regulação. Criaram seus portais, suas experiências, e já demonstram que o Art. 36 é modelo de negócio viável, representando grande volume de consetimentos.
Enquanto isso, as demais instituições seguem ignorando essa possibilidade. Qualquer participante, inclusive os bancos tradicionais, poderia estruturar um ecossistema de parcerias com monetização, seja criando um portal próprio, seja aderindo a uma iniciativa coletiva. Mas, por alguma razão, preferem ignorar esta parte da resolução.
E quando falamos do ressarcimento de despesas, a norma definiu que as instituições que recebem dados devem ressarcir quem os compartilha, considerando o volume de chamadas e os custos operacionais envolvidos. O problema? A operacionalização disso ficou a cargo do mercado, por meio da Convenção e até o momento, ainda não ficou definido o modelo.
Kevin ficou com o cartão de crédito do pai, mas ninguém está conferindo a fatura no fim do mês.
O Open Finance não está perdido, mas a monetização parece esquecida em meio às demais demandas, implementação da regulação somente “obrigatória” por parte de algumas instituições, e queixas de alto custo sem retorno para as instituições.
Assim como Kevin reencontra a família e transforma sua aventura em um final feliz, este encontro do Open Finance com a monetização tem que ocorrer em breve. Está tudo ali, no script original.
É difícil entender por que o encontro ainda não ocorreu. Criar modelos de parceria e APIs premium era um modelo esperado, que existe em outros países. É a chance de transformar custo em investimento, obrigação em produto, e integração em experiência de valor. Ainda assim, a maior parte das instituições continua fazendo só o básico, como se estivesse em modo de sobrevivência.
Talvez falte coordenação, talvez falte visão de negócio, talvez seja só resistência cultural. Mas o fato é que monetizar os dados poderia abrir uma nova frente de inovação: novas jornadas, novos serviços, novas receitas para quem já investiu na infraestrutura.
Assim como Kevin transforma Nova York no seu “playground”, o mercado precisa fazer o mesmo com o Open Finance. As instituições já têm APIs, consentimentos e o roteiro regulatório, falta ação para transformar custo em investimento e obrigação em oportunidade.
No filme, o reencontro da família só acontece depois de muita ação. Fica aqui um novo convite para criar portais de parceria, definir o modelo de ressarcimento e lançar APIs premium, um movimento de experimentação que pode levar o Open Finance a finalmente encontrar a monetização.
*Especialista em Open Finance e cofundador da fintech PilotIn