Fernando Barbosa, para o Finsiders
Historicamente, o Brasil sempre foi visto como um dos países onde a população enfrenta mais dificuldades para gerenciar a própria renda. Alguns dos motivos são o baixo PIB per capita e o endividamento com compras parceladas. Na era dos bancos digitais, porém, tais gargalos se tornaram oportunidades de ajudar os consumidores.
É o que se propõe a InvestPlay, uma plataforma de educação financeira lançada em 2017, em Belo Horizonte (MG). No core business da companhia, está a oferta de soluções de gamificação e Open Finance para o segmento B2B.
Na prática, a ideia é melhorar a qualidade de vida dos colaboradores de empresas, como um benefício oferecido pelos RHs, e aumentar o engajamento de clientes de instituições financeiras e cooperativas de crédito — este último, um ponto de atenção para as fintechs e outras empresas digitais, afinal não basta aumentar a base, é preciso manter a recorrência e o engajamento.
O CEO e fundador da InvestPlay, Iago Oselieri, diz que o negócio teve algumas mudanças de rota até começar a engrenar, em 2019, e chegar ao estágio atual.
A empresa nasceu após participar de um hackathon promovido pela Rico, corretora que pertence à XP, na sede da Stone, no Rio de Janeiro. Inicialmente, a ideia era tirar pequenos investidores da poupança e levá-los a investir em outros produtos de renda fixa, como Tesouro Direto, CDBs, LCIs e LCAs.
A dor era real e havia uma chance de transformar o mercado. Mas Iago percebeu que havia alguns percalços. Pela falta de conhecimento, os investidores demoravam até sete meses para investir depois da abertura de conta — uma diferença e tanto sobre o prazo inicial, estipulado em três semanas.
Outro ponto era que parte das pessoas com dinheiro em caixa para os aportes tinha dívidas que superavam em mais de 50% o total do patrimônio. “Vimos que o problema era muito maior do que apenas investir. A pessoa não era educada financeiramente porque os seus pais também não foram”, explica o empreendedor.
A alternativa foi tentar atuar dentro das escolas, uma forma de implementar a educação desde cedo. Mas além da dificuldade dos estudantes de compreender os problemas da vida real — uma vez que não eram ativos financeiramente –, outro obstáculo era atender apenas instituições de elite, “a minoria da minoria” que poderiam trazer renda para o negócio.
Negócio começa a engrenar
No momento seguinte, após nova reformulação, a proposta passou a ser a abordagem às áreas de RH das empresas. A educação financeira seria a forma de melhorar a vida das pessoas, em um movimento que poderia resultar em aumento da produtividade.
“Basicamente, colaboradores endividados produzem menos, têm mais dificuldades de relacionamento com os colegas e aumentam o absenteísmo, já que estão preocupados com questões fora do trabalho”, explica o empreendedor.
Em 2020, a InvestPlay desenvolveu um game corporativo para explicar, de forma lúdica e simples, a importância de ter as finanças organizadas. No game, os jogadores são incumbidos de algumas missões, como a redução de três despesas do dia a dia ou a troca de uma dívida cara por outra barata.
Dessa forma, é possível saber se o cliente deve por conta de um financiamento de um carro, descontrole financeiro ou dívida do cartão de crédito, por exemplo.
Mas aí veio uma nova barreira. “Na pandemia, os RHs fecharam as portas, principalmente em benefícios, já que não sabiam nem se o negócio ia sobreviver.”
As coisas começaram a mudar — e para melhor — passados oito meses da pandemia da covid-19. As companhias que já testavam o home office e desejavam intensificar o modelo, demonstraram interesse. Aos poucos, começou uma retomada demanda das empresas, e a startup passou a atender, também, as cooperativas de crédito de funcionários da Johnson & Johnson e BRF. Outros clientes são o banco BS2 e a Sabemi Seguradora.
Em outubro último, a InvestPlay recebeu o seu primeiro cheque, no valor de R$ 750 mil, por meio da plataforma de crowdfunding Wiztartup. O ‘pool’ de investidores reuniu Alexandre Motta (ex-Ambev), Jorge Lipiani (fundador do banco BS2), Carlos Rubinstein e Leonardo Silva (ambos investidores-anjo e fundadores da Wiztartup), entre outros. O investimento está sendo anunciado somente agora, com exclusividade ao Finsiders.
Atualmente, além de Iago, a startup tem Thiago Ibanez, responsável pela divisão financeira, como sócio. Para 2022, a dupla almeja sair de 11 para até 50 empresas clientes, e faturar R$ 4 milhões, 8x mais do que o ano passado.
A perspectiva positiva tem como pilar o desenvolvimento de um app de educação e gestão financeira, um PFM (Personal Financial Management), levando a plataforma dos desktops direto para os smartphones dos consumidores.
O PFM da plataforma começa a rodar, a partir de fevereiro, em projeto piloto que será oferecido também no modelo ‘white-label’. Dessa forma, a startup espera elevar o número de cooperativas que já atende dentro dos próprios clientes, como Sicoob e Sicredi, e de instituições como o BS2.
Em troca, as empresas podem conhecer os hábitos de seus consumidores e oferecer melhores produtos, evitando que eles migrem para uma instituição concorrente — o que ganhou potencial com o Open Finance.
“O Brasil tem cinco grandes bancos, mas outras tantas pequenas instituições têm dificuldade de se relacionar com os clientes. Quando você traz engajamento, é possível agregar valor à oferta de serviços desses players.”
Mercado em expansão
As plataformas de gestão financeira que podem ajudar os consumidores a fazer contas e administrar melhor seus vencimentos vêm avançando nos últimos anos.
Com uso de gamificação, talvez o modelo que mais se aproxime da InvestPlay é a Flourish, fintech fundada na Califórnia pelo brasileiro Pedro Moura e pela norte-americana Jessica Eting. A startup já atraiu investidores como Canary e os anjos Brian Requarth (fundador da VivaReal), Rodrigo Xavier (ex-presidente do Bank of America e UBS Pactual) e Beth Stelluto (ex-VP da Charles Schwab).
Se levarmos em conta plataformas de gestão financeira, no modelo PFM, o exemplo mais notável é o do Guiabolso, que vinha avançando no B2B até ser comprado pelo PicPay em meados do último ano.
O Nubank é outro que aposta neste tipo de serviço para reter os clientes. Em novembro, o neobank comprou a fintech Olivia, que atua com educação financeira por meio da inteligência artificial e também estava crescendo com o modelo B2B. O negócio foi concluído nos últimos dias.
*Fernando Barbosa é jornalista formado pela Universidade Anhembi Morumbi. Passou por jornais como Diário de São Paulo e DCI e pelas revistas Dinheiro Rural e Globo Rural. Também já contribuiu com os sites NeoFeed e PEGN. Atualmente, escreve para UOL e Finsiders. É apaixonado por futebol e corintiano fanático (assim como o editor-chefe do Finsiders, Danylo Martins).
Leia também:
Artigo | Open Finance e empoderamento financeiro
TC compra participação em aplicativo voltado para jovens investidores
O ‘workplace banking’ da Leve vai ganhar dois novos produtos
Juros Baixos levanta R$ 3 milhões na segunda maior oferta da CapTable