Artigo | BNPL: a nova roupagem do crediário brasileiro e seus riscos

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Por Walter Pereira*, exclusivo para o Finsiders

A história financeira do Brasil é fantástica. Após a década de 1980, quando foi promovido um reordenamento financeiro no Brasil com a separação das contas e funções do Banco Central (BC), Banco do Brasil e Tesouro Nacional, a credibilidade do BC aumentou e o Brasil passou a ser referência global em inovação financeira — primeiro com a implementação do TED e DOC, em 2002; agora com o Pix e o Open Finance, em 2020 e 2021, respectivamente.

No entanto, antes mesmo do BC que conhecemos existir e com um sistema financeiro incipiente, uma varejista, na década de 1950, se tornava o meio mais fácil de ter acesso a crédito barato para consumo. A caderneta rapidamente se popularizou nas camadas sociais menos abastadas. A Casas Bahia e a Lojas Mappin foram notoriamente os impulsionadores desta modalidade de crédito.

Certa vez em uma entrevista, Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, disse:

“A gente precisa entender que ninguém consegue nada trabalhando com rico, porque ricos têm poucos e pobres têm muitos. Tem que dançar conforme toca a música. Se você vende para um trabalhador e ele fica desempregado, não tem como pagar a prestação, nós o convidamos para vir fazer algum acordo. Tratamos o cliente bem e depois nós vendemos de novo para ele.”

O ato visionário do polonês que construiu sua vida no Brasil fez com que muitas pessoas tivessem sua primeira geladeira, fogão, televisão e outros eletrodomésticos, por meio de suas lojas. “Começamos com a caderneta, evoluímos para o carnê, CDC (Crédito Direto ao Consumidor) e, desde a década de 1990 utilizamos o ‘parcelado sem juros’ no cartão de crédito, em substituição ao cheque pré-datado (ou pós-datado)”, como escreve o consultor Edson Santos em um artigo publicado na semana passada em seu blog.

A democratização do crédito foi responsável por alavancar o varejo e os negócios no Brasil. Agora, o crediário ganhou um nome mais chique e se popularizou no estrangeiro. O ‘buy now, pay later’ (BNPL) tem ganhado destaque no exterior. Um relatório realizado pelo processador de pagamentos Worldpay, e divulgado em janeiro de 2020, destacou que 10 milhões de pessoas já haviam usado os serviços de BNPL, com o setor crescendo a uma taxa de 39% ao ano.

Na pandemia, os números aumentaram. Um levantamento conduzido pela Financial Conduct Authority’s (FCA) destacou que o uso quase quadruplicou e representou £ 2,7 bilhões de gastos em 2020. É comum que em momentos de retração da economia, as pessoas demandem mais crédito de curto prazo. Desta forma, criou um ambiente propício para o avanço do modelo.

A ideia por trás do BNPL é simples: permite que os consumidores distribuam o custo de suas compras por várias semanas ou meses em parcelas sem juros, em vez de fazer um pagamento adiantado.

Existem atualmente diversos provedores disponíveis no mercado, dentre eles os destaques são: Klarna, empresa sueca fundada em 2005 que obteve sua licença bancária em 2017, com a intenção de criar um ‘super app financeiro’; Afterpay, que em julho foi comprada pela Square em uma transação de US$ 29 bilhões; e, na América Latina, a Addi, fintech colombiana que embolsou mais de US$ 70 milhões e tem planos de expandir suas operações no Brasil.

Apesar de, na prática, já ser comum por aqui, o BNPL vem com algumas mudanças em relação ao crediário brasileiro. Diferentemente do crediário difundido pelo Samuel Klein, em que o principal público eram as classes C e D, a adoção do BNPL vem sendo conduzida pelas gerações Y e Z.

A crise financeira de 2008 teve um grande impacto na percepção dos cartões de crédito, especialmente pela geração do milênio. Ver os pais lutando por conta das dívidas de cartão, assim como o alto endividamento estudantil, fizeram com que estas gerações preferissem o cartão de débito aos cartões de crédito.

O crediário digital (como está sendo repercutido no Brasil), também se diferencia por conta de sua tecnologia e integração. A empresa sueca, Klarna, por exemplo, adotou uma abordagem totalmente integrada na entrega do serviço, garantindo uma experiência completa para o usuário — da visualização das lojas parceiras à entrega do produto. A empresa também utiliza o Open Finance para realizar uma verificação do usuário, a fim de conceder parcelamentos para compras online.

Assim como em todo mercado com configurações competitivas, o BNPL tem chamado a atenção de outros players do mercado financeiro. A bandeira Mastercard divulgou recentemente que irá permitir que bancos e empresas iniciantes aumentem suas próprias ofertas de BNPL. Na última terça-feira (28), a empresa anunciou um novo programa intitulado como “Mastercard Installments” para os mercados dos EUA, Austrália e Reino Unido, que entrará no ar no primeiro trimestre de 2022.

American Express, Citi e JP Morgan também estão oferecendo produtos semelhantes. A Apple planeja lançar pagamentos parcelados em parceria com o Goldman Sachs, informou a Bloomberg. A Visa também está desenvolvendo um produto semelhante.

Os neobanks também querem surfar nessa onda. O russo Tinkoff e o Nu México, subsidiária do Nubank no país, lançaram ofertas de BNPL em uma tentativa de expandir a acessibilidade para seus clientes, permitindo-lhes aproveitar o crédito de pequeno valor em seus cartões, que pode ser pago em prestações sem juros. A Tinkoff fez parceria com a Dolyame.ru na Rússia e o Nubank fez parceria com a Amazon México para lançar soluções BNPL.

No Reino Unido e na Europa, players como Revolut, N26 e Monzo também lançaram o BNPL em busca de estreitar laços com seus clientes, bem como explorar novos fluxos de receita. O objetivo principal é ajudar seus clientes, em especial a geração Z e a geração do milênio, a construir pontuações de crédito enquanto pagam suas compras no tempo determinado.

No Brasil, ainda que seja bem comum, as novas soluções estão tornando o crediário muito mais tecnológico e integrado. Recentemente, a Bom Pra Crédito (BPC) lançou o que tem chamado de CDC Digital — um crédito direto ao consumidor na versão digital, por meio de parcerias com diversas instituições financeiras.

A Via, com sua conta digital banQi, anunciou recentemente que está digitalizando o “carnê da Casas Bahia”; no final de junho, a companhia tinha uma carteira de R$ 4,7 bilhões no crediário. Outro player brasileiro que está querendo dividir este bolo é a empresa de banking as a service (BaaS) Swap, que propõe um ‘BNPL as a service’. Com o objetivo de difundir as soluções de BNPL e ampliar a aceitação por parte de lojistas e outros estabelecimentos, a empresa utiliza a rede Mastercard.

O outro lado da moeda

Apesar do sucesso, o ‘buy now, pay later’ representa riscos para quem o usa. O principal deles é o “empilhamento de dívidas” — ou o uso de formas tradicionais de crédito para financiar esses pagamentos parcelados, como escreve Edson Santos em seu blog, citando analistas.

Em um relatório intitulado “Shop Now, Stress Later”, a Money.co.uk destacou que os consumidores do Reino Unido agora devem uma média de £ 244,37 por pessoa aos serviços BNPL. A pesquisa mostrou que um em cada seis compradores (16%) admitiu usar o BNPL para financiar suas compras porque se empolgou e comprou mais do que poderia pagar.

Outro levantamento, publicado pelo Telegraph, revelou que uma em cada 25 transações com cartão de crédito está sendo usada para pagar as dívidas oriundas dos serviços do BNPL. O levantamento indica que 4% de todas as transações com cartão de crédito entre os seus clientes com idades entre os 18 e os 24 anos estavam sendo utilizadas para pagar dívidas do serviço. O BNPL também está prejudicando quem está em busca de hipotecas. Conforme apurou o portal de notícias Refinery29, pessoas que usaram o serviço estão sendo recusadas ao se inscrever para hipotecas.

Ao que tudo indica, o futuro da nova roupagem do crediário brasileiro está nas mãos dos órgãos reguladores. Os jovens, depois de um longo distanciamento dos cartões de crédito devido às experiências negativas vividas pelos seus pais, hoje desfrutam do BNPL graças ao seu marketing carismático (realizado por influencers), verificações de crédito mínimas e processo de inscrição fácil.

No entanto, embora as campanhas de marketing chamativas para os credores do BNPL possam posicioná-los como alternativas atraentes, é vital que os consumidores entendam os riscos envolvidos nesse tipo de empréstimo e ajam com responsabilidade para garantir que não gastem mais do que podem pagar. Do contrário, poderemos enfrentar nos próximos anos uma armadilha de dívida geracional com um grande número de consumidores presos em um ciclo de empréstimos e pagamentos do qual eles não podem sair.

*Walter Pereira é editor da newsletter W Fintechs e parceiro do Finsiders.

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Redação: Conteúdos produzidos pela equipe de jornalistas do Finsiders,
além de artigos de executivos do setor

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