Artigo | O impacto das eleições americanas em tecnologia e Venture Capital

Por André Zogbi*, especial para a Finsiders

As eleições americanas parecem nunca terem sido tão intensamente discutidas como recentemente, muito em função da imensa polaridade entre Biden e Trump. Para alguns setores macroeconômicos, o impacto previsto após a eleição de um dos dois candidatos era claro, principalmente para assuntos que geraram grande discórdia entre os candidatos. Entretanto, havia diferentes percepções sobre a influência das eleições nos universos de tecnologia e venture capital. Afinal, como deverão ser os próximos quatro anos neste segmento com Biden no poder?

André Zogbi, da Mindset Ventures (Divulgação)

É inegável que a administração de Trump tenha sido marcada em parte pelo comportamento positivo da bolsa americana, de certa forma impulsionado pelo setor de tecnologia, que nos últimos meses foi visivelmente beneficiado pelo aumento da venda de produtos e serviços associados ao distanciamento social e trabalho remoto. A vitória de Biden, ao contrário do que alguns acreditavam, não alterou essa tendência, por dois motivos principais: ele tem apresentado propostas menos extremas para a economia, o que torna o ambiente mais seguro para investidores; e, por outro lado, as medidas teoricamente mais prejudiciais para o mercado de Venture Capital e tecnologia, que o presidente eleito poderia tomar terão mais dificuldade em serem aprovadas em função de o Congresso Americano estar bem dividido entre Democratas e Republicanos.

Entre as propostas mais moderadas do novo presidente que influenciarão positivamente os setores de tecnologia e venture capital, estão as políticas mais inclusivas para imigrantes. De forma geral, investidores entendem que empresas fundadas nos EUA por não americanos têm ajudado a impulsionar este mercado. Como referência, até 2018 mais da metade dos unicórnios nos EUA possuíam ao menos um fundador imigrante (como Uber e SpaceX).

Ainda no campo das medidas menos extremas e positivas para o ambiente de tecnologia, estão as questões ambientais, que claramente são mais consideradas por Biden do que eram por Trump. Por exemplo, no plano rural do presidente eleito há uma série de investimentos no campo (na ordem de US$2 trilhões), incluindo infraestrutura 5G, que deve viabilizar o acesso a soluções criadas por startups agrícolas, mas disponíveis apenas aos que tiverem amplo acesso à internet.

Dentre as principais medidas potencialmente negativas defendidas por Biden, merece destaque o ajuste fiscal. Biden pretende aumentar a alíquota de imposto de renda das corporações de 21% para 28%, e ainda estabelecer percentuais mínimos de tributação que impactarão diretamente empresas e investidores do setor de ativos alternativos – que inclui Venture Capital. Caso estas medidas sejam aprovadas, o efeito bastante óbvio será a eliminação de importante incentivo para investidores, o que reduziria o volume de capital disponível para investimento nessas modalidades. No entanto, o mercado vê como improvável a aprovação desta iniciativa, justamente pelo fato de o atual Congresso Americano estar bastante dividido.

Outra medida que deve afetar negativamente o setor de tecnologia refere-se à regulamentação das mídias sociais, tema consensual entre democratas e republicanos. Ambos os lados contestam a Seção 230 do Cummunication Decency Act, que isenta empresas da responsabilidade sobre as publicações de seus usuários, e Biden adiciona a isso sua preocupação com o possível viés causado por sistemas de inteligência artificial criados por essas empresas, que poderiam intensificar estereótipos e afetar negativamente os protected groups (características individuais que não podem ser abordadas em entrevistas nos EUA). Para lidar com essa questão, deverá exigir maior transparência nos algoritmos utilizados por instituições de áreas como justiça criminal, emprego, educação, entre outras. Em linha com isso, também deve buscar impor limites mais rigorosos no desenvolvimento e uso de reconhecimento facial e de tecnologias ligadas a monitoramento, como as utilizadas por policiais americanos. Diferentemente das medidas de ajuste fiscal mencionadas anteriormente, estas terão menos dificuldade de serem aprovadas. Embora negativas, estas medidas nos parecem já absorvidas e precificadas pelo mercado.

Em meio a tantas propostas, permanece a impressão de que a maior parte das medidas que poderiam impactar negativamente os setores de tecnologia e venture capital não será aprovada pelo Congresso, enquanto que grande parte das medidas positivas para estes setores deverá em algum momento se tornar realidade.

De forma geral, Biden parece se preocupar com o desenvolvimento destes mercados, e não à toa nomeou Ron Klain, executivo de uma renomada empresa do setor de venture capital, e portanto alguém ligado ao setor de tecnologia, para ser seu novo chefe de gabinete. Verdade seja dita, o desenvolvimento tecnológico não pode parar, e tudo indica que não é agora que haverá interrupção na tendência positiva que os mercados de venture capital e tecnologia vêm experimentando.

*André Zogbi é um dos responsáveis pela área de relações com investidores da Mindset Ventures, fundo de venture capital que investe em startups de Israel e EUA, principalmente aquelas com potencial de operação no Brasil. Com 6 anos de experiência no mercado financeiro, principalmente em private equity e relações com investidores, André faz parte do time da Mindset Ventures desde maio de 2020.


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