Por Felipe Félix*, exclusivo para o Finsiders
O mercado financeiro tem vivido uma revolução. Em 2013, surgiram as primeiras fintechs. Três anos depois, foi a vez dos bancos digitais aparecerem com a proposta de bancarizar a população brasileira. O mercado, então, amadureceu e vivenciamos uma pandemia que tirou da invisibilidade financeira mais de 22 milhões de brasileiros, dando a eles acesso a uma conta digital. Mas esta bancarização resolve?
Parece uma trajetória de sucesso e, sim, temos uma equação em funcionamento. Porém, dar apenas uma conta não resolve a questão do acesso ao crédito e da inclusão financeira. Conta e crédito são dois lados de uma mesma moeda e precisam andar juntos.
Aliás, mesmo com o crescimento de número de contas decorrente da pandemia, segundo o Banco Central (BC), a circulação de dinheiro vivo aumentou: eram R$ 212 bilhões em papel-moeda no início de 2020 e quase R$ 309 bilhões em dezembro daquele ano, puxado pelo pagamento do auxílio emergencial.
A inclusão financeira, ou a bancarização, é um processo que vai além da burocracia. Para incluir, é preciso também criar e fornecer soluções que conversem com um público que ainda não tem o hábito de se relacionar com produtos financeiros.
Os motivos são diversos, mas principalmente: uma conta pura não resolve o problema — a maioria dos brasileiros ainda acredita que é mais fácil controlar suas despesas em dinheiro do que em uma conta, ou seja, se não motivadas por outro produto ou serviço, não faz sentido para as pessoas abrirem contas.
Vale citar também as altas tarifas — o Brasil é o segundo país em taxas bancárias no mundo. Por último, temos uma relação fragilizada com os bancos. Na prática, muitos já tiveram ou conhecem alguém que teve problemas com estas instituições.
Estamos contribuindo com uma inclusão genuína?
Conforme o BC, 16% da população brasileira adulta ainda não está inserida no sistema financeiro. São maus pagadores? Nem sempre. O estudo “Cidadania Financeira”, da mesma instituição, realizado pela Global Findex, em 2021, revela que 41% desses brasileiros afirmam não possuir uma conta em banco por insegurança ou desconhecimento. Um índice que nos faz repensar a forma como estamos criando os produtos financeiros. Estamos contribuindo com uma inclusão genuína?
A conta bancária não resolve a dor destas pessoas. Isso faz delas parte do sistema financeiro, sem acolhê-las de fato. É preciso entender que o que move o ponteiro é a forma como essas pessoas bancarizadas se relacionam com os produtos financeiros e como é possível transformar realidades a partir do crédito responsável. Entendo o crédito como um direito humano, portanto, deve ser acessível a todos.
Crédito responsável
O crédito responsável não somente por parte do cliente, mas fundamentalmente por parte da empresa são pontos relevantes nesta equação. A inclusão passa por construir junto às pessoas uma jornada financeira em que elas sejam protagonistas, possam gerar e zelar pelo seu score e pelo seu potencial de tomar crédito.
Contudo, essa inclusão passa, principalmente, pelo entendimento de que em um Brasil plural não é possível pasteurizar soluções financeiras, pois isso é o mesmo pasteurizar as pessoas.
Incluir está em olhar as diferenças reais desse país, em que alguém que vive em uma grande capital como São Paulo, relaciona-se com o dinheiro de uma forma diferente de um cidadão que mora em uma cidade com menos de 100 mil habitantes, no interior do Piauí, e que ainda hoje vende fiado em sua mercearia da esquina.
Esse segundo personagem, inclusive muitas vezes menosprezado pelo sistema financeiro, tem sonhos e necessidades de um lado, e possibilidades e um papel fundamental em nossa economia de outro. Um olhar que passa mais pela potência de realização do que pela vulnerabilidade social.
Processo contínuo
Bancarizar essa população invisibilizada é um processo contínuo de construção bilateral. De um lado, temos a instituição financeira; do outro, temos uma população carente de crédito, acesso e oportunidades. Triangulando essa situação está a tecnologia, que permite, via inteligência artificial, por exemplo, a utilização de modelagens para aprovar ou não um cliente.
E talvez aqui esteja o grande diferencial da inclusão, afinal, bancarizar quem já possui histórico e score é uma decisão muito menos complexa do que utilizar um motor de crédito que cruze informações diversificadas, de perfis que “destoam” do padrão. A inteligência de reverter dados alternativos em crédito é o grande desafio.
Olhar para o Brasil do primeiro crédito é dar esperança e pertencimento a uma população renegada e que em muito pode contribuir para o país prosperar. Para isso funcionar, é preciso sensibilidade, transparência e customização. Criar para pessoas! Seguimos com essa missão.
*Felipe Félix é fundador e CEO do banco digital will bank.
As opiniões neste espaço refletem a visão de founders, especialistas e executivo(a)s de mercado. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações apresentadas pelo(a) autor(a) do texto.
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