OPINIÃO

Como o mercado reagiu à consulta do BC com regras para o BaaS

Contribuições à consulta que propõe regular o 'Banking as a Service' evidenciam que o texto precisa de ajustes significativos

Serviços financeiros
Serviços financeiros | Imagem: Adobe Stock

O Banco Central (BC) abriu, no final do ano passado, a Consulta Pública nº 108/2024, propondo regras para regulamentar o modelo de Banking as a Service (BaaS). O prazo para as contribuições se encerrou em 28/2. A iniciativa foi bem recebida pelo mercado, que há tempos reconhece a necessidade de uma regulamentação específica para o BaaS.

Trata-se de um passo importante para estabelecer um marco regulatório que traga segurança jurídica, definindo claramente as responsabilidades dos prestadores e tomadores de serviços de BaaS, além de reforçar a proteção ao consumidor. No entanto, ao longo do período de consulta, ficou evidente que a proposta apresentada pelo regulador precisa de ajustes significativos.

As manifestações de empresas e associações apontaram que o texto, na forma como foi colocado, não reflete integralmente a realidade do mercado. Assim, pode acabar impondo restrições excessivas que comprometam a inovação e a competitividade. Entre os principais pontos abordados nas manifestações, destacam-se dez temas que concentraram a maior parte das críticas e sugestões.

Contratação de prestadores

O primeiro diz respeito à contratação de múltiplos prestadores de BaaS. O BC propôs que cada tomador de serviços só pudesse ter um único prestador. O mercado contestou essa exigência, afirmando que ela limita a flexibilidade operacional das empresas, encarece custos e favorece a concentração de mercado. A recomendação, então, foi permitir que tomadores possam contratar mais de um prestador, ampliando a diversidade e a competitividade.

A proposta também proibiu a contratação de BaaS entre empresas do mesmo grupo econômico, alegando risco de conflito de interesses. O mercado contestou essa vedação, apontando que muitos grupos já operam com estruturas bem definidas e regras de governança adequadas. Nesse sentido, a recomendação foi permitir essas relações, desde que observadas regras de compliance e governança.

O conceito proposto para BaaS também foi criticado por limitar-se à integração via APIs, excluindo o modelo white label (com a marca do parceiro), amplamente adotado pelo mercado. O setor defendeu que a regulamentação contemple ambos os formatos, considerando que o white label é uma solução legítima e eficiente.

Atendimento ao cliente final

Outro ponto sensível foi a definição de que o atendimento ao cliente final deveria ser responsabilidade do prestador de BaaS. O setor argumentou que, na prática, o relacionamento comercial e a confiança do consumidor recaem sobre o tomador dos serviços de BaaS — ou seja, a marca que ele conhece e com quem mantém vínculo. Por isso, defendeu-se que o tomador siga sendo o responsável pelo suporte direto ao cliente.

Thiago do Amaral Santos/BTLaw
Thiago do Amaral Santos/BTLaw | Imagem: divulgação

Também gerou críticas a obrigatoriedade de divulgação pública das relações comerciais entre tomadores e prestadores de BaaS. Pela proposta, os tomadores deveriam publicar essas informações em seus sites. As entidades manifestaram preocupação com o impacto dessa medida na estratégia comercial e na competitividade. A sugestão foi que tais informações sejam informadas exclusivamente ao BC.

Além disso, as manifestações reforçaram a necessidade de preservar a liberdade dos tomadores de BaaS na oferta de produtos financeiros. O receio é que a norma limite essa autonomia, o que poderia prejudicar modelos de negócios inovadores. Dessa forma, a recomendação foi assegurar que os tomadores possam definir livremente os produtos ofertados, sempre em conformidade com as normas prudenciais.

Fluxo financeiro

Outro aspecto questionado foi a regra que determina que apenas o prestador de BaaS possa ter controle sobre o fluxo financeiro das operações. O setor defendeu que os tomadores também devem ter autorização para intermediar pagamentos e repasses, respeitando as exigências regulatórias, de modo a garantir eficiência e competitividade.

Também ganhou destaque a defesa de uma regulamentação que considere o porte e o nível de risco das operações. As entidades manifestaram preocupação com a adoção de regras excessivamente rígidas para prestadores menores. Isso poderia desestimular a inovação e reduzir a competição.

Outro ponto destacado foi a proposta de restringir a monetização dos tomadores de BaaS, impedindo que eles cobrem tarifas ou comissões diretamente dos clientes. As manifestações indicaram que essa limitação compromete a viabilidade econômica do modelo. A sugestão foi permitir a cobrança, desde que feita de forma transparente.

Por fim, o setor criticou o prazo para implementação das novas regras. O setor considerou o período proposto insuficiente, dado o impacto estrutural que a regulamentação trará para contratos, sistemas e operações. A sugestão foi ampliar o prazo para um intervalo entre 12 e 18 meses garantindo, assim, uma transição segura.

eFX, ITP e subcredenciamento

Além desses dez temas, as manifestações abordaram ainda três outros pontos relevantes. O primeiro foi a inclusão do serviço de pagamentos internacionais (eFX) no escopo do BaaS. Para o mercado, essa atividade já é regulamentada pela Resolução BCB nº 277/2022. Sua inclusão na proposta pode gerar sobreposição normativa, com riscos de insegurança jurídica.

O segundo ponto diz respeito à Iniciação de Transação de Pagamento (ITP). As entidades discordaram da proposta de incluir o ITP no BaaS, argumentando que esse serviço já está regulado no âmbito do Open Finance, com regras claras e segurança operacional. A inclusão no BaaS, de acordo com o mercado, criaria burocracia adicional e encareceria o serviço sem trazer benefícios relevantes.

O terceiro assunto trata da inclusão da atividade de subcredenciamento na regulamentação do BaaS. O setor questionou essa proposta, destacando que a Resolução BCB nº 150/2021 já disciplina a atividade. Além disso, foi objeto de recente Consulta Pública nº 104/2024, voltada exclusivamente para aprimorar esse modelo. Para as entidades, a inclusão do subcredenciamento no BaaS representaria uma sobreposição regulatória desnecessária.

Regras necessárias

O diálogo sobre a regulamentação do BaaS revela que o mercado está preparado para reconhecer a necessidade desse marco regulatório. A proposta do BC foi um movimento acertado, na medida em que buscou ouvir o setor e colher subsídios para aperfeiçoar o ambiente regulatório. No entanto, as manifestações deixaram claro que o texto, como apresentado, precisa ser aprimorado para refletir melhor as práticas, os riscos e as dinâmicas do mercado.

Agora, cabe aguardar os próximos passos do regulador e acompanhar se — e em que medida — as sugestões serão acolhidas. O desfecho desse processo será determinante para o futuro do modelo de BaaS no Brasil e para o desenvolvimento sustentável do ecossistema de fintechs e meios eletrônicos de pagamento.

*Sócio do Barcellos Tucunduva Advogados/BTLaw, nas áreas de meios de pagamento e fintechs