Reflexões sobre o Singapore Fintech Festival 2023

IA, gestão de identidade, tokenização e outras tendências do evento, nas palavras de Gustavo Turquia, diretor-executivo da Visa do Brasil

Por Gustavo Turquia*, para o Finsiders
Recentemente, tive a oportunidade de participar do Singapore Fintech Festival (SFF) 2023, um evento que se destaca como um farol de inovação no cenário financeiro global. Realizado desde 2016, o evento consolidou-se como uma das principais plataformas globais para a comunidade de fintechs se envolver, estabelecer conexões e colaborar em questões relacionadas à convergência de serviços financeiros, políticas públicas e tecnologia.

Ainda impactado por essa experiência singular, gostaria de compartilhar neste artigo algumas reflexões e destaques do que vi e ouvi ao longo desses dias intensos. 

ESG

O compromisso com práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) emergiu como um dos temas fundamentais do evento. Por isso, quero iniciar destacando essa macrotendência. Inovações como o uso do blockchain para ajudar a zerar emissões de carbono por meio de recompensas oferecidas aos usuários destacaram a capacidade da tecnologia de ser uma aliada na construção de um futuro mais sustentável. Essa abordagem, enraizada em uma consciência ambiental aguçada, representa não apenas uma tendência global, mas uma inspiração para que o Brasil avance em direção a uma responsabilidade ecológica mais profunda, enquanto fomenta a inclusão digital.

É inegável que o Brasil, com suas vastas riquezas naturais e diversidade cultural, está numa posição única para liderar no compromisso com a agenda ESG. A partir das inovações e práticas apresentadas no Singapore Fintech Festival, fica clara a oportunidade de posicionar o nosso país como um líder global na busca por práticas sustentáveis e inclusivas. Dessa forma, sinto que precisamos ser mais ambiciosos e confiantes que conseguiremos, sim, evoluir nesse aspecto.

Inclusão financeira

Outra discussão que me impressionou pela força e maturidade dos debates foi a questão da educação e inclusão financeira, especialmente voltadas para a diversidade socioeconômica da Ásia. Aqui vale um parêntese importante sobre o continente asiático.

Com países como Japão e China, que se destacam pelo poderio econômico, ao lado de uma dura realidade do Sudeste Asiático, que conta com nações que enfrentam problemas severos de pobreza e falta de infraestrutura básica, temos que destacar também nações que são berços e hubs tecnológicos como Singapura e Coreia do Sul. Em outras palavras, o continente é um mosaico de culturas e realidades. Assim, essa diversidade traduz uma capacidade de inovação e recriação sem igual. 

Gustavo Turquia, diretor-executivo da Visa do Brasil. Foto: Divulgação
Gustavo Turquia, diretor-executivo da Visa do Brasil. Foto: Divulgação

Falando um pouco mais de Singapura. Trata-se de uma cidade-estado que acolhe malaios, chineses, indianos e uma boa parte da população ocidental. Impressiona pela velocidade com que conseguiram se transformar em um país de primeiro mundo, dono do segundo maior IDH do planeta. Política de tolerância zero com a corrupção, investimentos em programas sociais sustentáveis, educação e muita infraestrutura, inclusive no setor financeiro para atrair investidores globais, foram alguns dos fatores de sucesso dessa economia. 

Voltando para a feira, além dessa duas macrotendencias sociais descritas acima, conheci também soluções concretas que buscam a transformação digital das economias, pessoas e governos, potencializando, assim, o uso de novas tecnologias para uma sociedade mais eficiente e ágil. 

IA 

Como não poderia deixar de ser, as discussões em torno da inteligência artificial (IA) também marcaram presença, porém de maneira mais acessível e pragmática. Nesse contexto, a utilização da IA generativa destacou-se na análise inicial de situações corporativas relacionadas à conformidade. Além disso, observei sua aplicação em eficiência de vendas (‘sales efficiency’).

Essencialmente, isso envolve a integração com plataformas ou aplicações já existentes, como o Microsoft Excel. Com um simples comando de voz ou uma entrada escrita, é possível executar uma análise detalhada dos dados, resultando em insights prontos para uso. Por exemplo, criação de rascunhos para ajudar nas respostas de emails (dor muito comum no mercado corporativo), uso de avatares que reproduzem sua voz com ‘lipsync’ em mais de 20 idiomas para empresas globais promoverem comunicados no idioma local. Enfim, vários casos práticos que podem otimizar o mundo corporativo e fazer as empresas se movimentarem mais rapidamente.

Identidade digital

Fiquei muito impressionado, ainda, com a visão futurista da plataforma de Digital Public Infrastructure (DPI) e sua abordagem revolucionária para a gestão de identidade, pagamento e dados. A Índia, que foi pioneira no lançamento dessa tecnologia, está agora colocando a plataforma a serviço de outros países que também queiram implantar o mesmo serviço. 

Na prática, a DPI funciona como um sistema único contratado pelo governo, integrando a identidade digital das pessoas, com cadastramento de sua biometria, íris ocular e vinculando essas informações com seus dados (endereço, telefone etc.) e um meio de pagamento instantâneo e tokenizado. A chave de acesso dos usuários é um código biométrico com 12 dígitos e esse número se torna a identificação única do usuário.

O mais interessante é que, o que nasceu inicialmente como uma identidade digital apenas, foi expandido para incluir pagamentos. A solução usa a ferramenta UPI para transferências instantâneas e, mais recentemente, uma terceira dimensão crucial: a monetização dos dados. Os usuários, com identidade e pagamentos tokenizados, têm controle sobre quais dados compartilham com empresas, recebendo compensações financeiras. Esse modelo tem o potencial de transformar uma economia. E não apenas redefine o paradigma da interação digital, como também oferece um modelo que poderia ser adaptado e repensado para o contexto brasileiro.

Tokenização e cross-border payments

A popularidade da tokenização, comumente associada a pagamentos, foi explorada em novos contextos durante o Singapore Fintech Festival. Desde a tokenização de ativos financeiros até safras agrícolas, tornou-se evidente que essa prática tem o potencial de revolucionar a forma como encaramos as transações financeiras diárias. No Brasil, onde já estamos à frente nesse cenário, há uma oportunidade clara para expandir essas aplicações, proporcionando uma experiência financeira mais ampla e segura.

Como último destaque do que vi por lá, e que entendo estar em sintonia com o que acontece por aqui, trago a tendência de pagamentos internacionais em tempo real, conhecida como “cross-border real time payments”. A demanda por essa modalidade é notavelmente alta, indicando uma crescente necessidade e preferência por transações financeiras internacionais imediatas.

Oportunidade

Essa modalidade de pagamentos é uma realidade no Brasil, especialmente com a presença do Visa Direct. Essa abordagem, alinhada à visão da Visa de conectar o mundo por meio de pagamentos eletrônicos rápidos, não apenas simplifica as transações, mas também representa um passo significativo em direção a uma experiência financeira mais ágil e eficiente.

Essas tendências que observei no Singapore Fintech Festival não apenas apontam para desafios emocionantes e oportunidades inovadoras, mas também ressaltam a importância de o Brasil se engajar mais profundamente em algumas delas. Isso inclui a agenda ESG e a evolução dos casos de uso do token, especialmente no mundo agro. Portanto, a missão vai além de um dever; é uma oportunidade de nos posicionar como um país líder global na busca por práticas sustentáveis e inclusivas. Isso, por si só, abrirá caminhos para um futuro financeiro mais responsável e integrado.

*Gustavo Turquia é diretor-executivo da Visa do Brasil.

Este é um espaço editorial, com análises e opiniões de especialistas de mercado e executivo(a)s com temas de interesse do ecossistema de fintechs. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações do texto.

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