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Análise "inteligente" de risco não é suficiente para evitar calote em fintech de crédito: "ficamos mais seletivos", diz sócio da Solis, gestora de FIDCs

O uso da Inteligência Artificial para análise de risco por fintechs de crédito vem sendo largamente apontado como um recurso poderoso para evitar calotes. Mas, por que então tantas sofreram com a recente onda de inadimplência que afetou o país? “Ajuda, mas não é tudo”, afirma Delano Macêdo, sócio da gestora cearense Solis, especializada em Fundos de Investimento de Direitos Creditórios (FIDCs).

Segundo o último Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central, em dezembro de 2022 a taxa de inadimplência dos bancos digitais passava dos 10%.

Para Macêdo, que atua no mercado de crédito há 30 anos, a decisão automatizada não é suficiente para identificar variáveis subjetivas: “O algoritmo não necessariamente aprende com a volatilidade de mercado – como as consequências da alta dos juros; por ser mais técnico, seu nível de assertividade em tempos instáveis é menor”, explica. Segundo ele, a gestora ficou mais seletiva em relação ao lastro dos fundos que estrutura. “Por outro lado, alguém que contrata um empréstimo às 3 horas da manhã não necessariamente está desesperado e representa alto risco maior de inadimplência – a pessoa pode estar no Japão”, diz, referindo-se a um dado comportamental muito aplicado por esse tipo de algoritmo.

Consultoria de crédito

Macêdo revela que a Solis prefere apostar no que chama de “gestão ativa”, ou seja, consultoria e expertise dos gestores para ajudar na modelagem de crédito da fintech. Além disso, ele considera que fintechs de crédito consignado, como a sua conterrânea MeuTudo, e as que antecipam recebíveis de pequenos fornecedores de grandes empresas, como a Monkey, têm acesso a mais pistas e, portanto, mais segurança contra calotes do que as que confiam só na IA. A Solis tem um FIDC para a MeuTudo e “está pronta para investir mais”, diz. A fintech acaba de captar um FIDC de R$ 2 bilhões.

“No caso do consignado, a empresa pagadora da folha é uma contraparte que oferece um conjunto de informações adicionais para analisar o crédito (a pessoa está empregada, por exemplo, e é simples comprovar quanto ela ganha); algumas empresas ainda acoplam um processo de educação financeira para o tomador, e atuam direcionando o valor levantado para as diferentes dívidas dos funcionários”, explica. A MeuTudo atua em consignado do INSS – apesar de um nicho convencional, a fintech “eliminou a figura do pastinha com um processo digital que funciona”, diz o gestor.

Aquário

Para ele, fintechs de crédito para pessoas físicas e pequenas e médias empresas são as que oferecem os lastros mais arriscados. “Mas se essa PME é cliente de um ecossistema de ERP ou de sistema contábil, que permite acesso a informações mais precisas, isso minimiza o risco de crédito parcelado concedido em mar aberto. Ou seja, qualquer fintech que permita buscar informações mais detalhadas ou que participe de um aquário específico são o tipo de lastro que preferimos para nossos fundos de fintechs”.

É assim também com fintechs que funcionam como plataformas: “Muitas vezes a PME tem dificuldade de antecipar o título a receber com instituições financeiras, mas pelas plataformas é possível confirmar que o título é verdadeiro, que a empresa sacada realmente deve – e as PMEs conseguem não apenas antecipar como até esticar os prazos. Com acesso a informações qualificadas, grandes players envolvidos e automação, o investidor aceita correr o risco”.

A Solis tem atualmente R$ 14 bilhões sob gestão em cerca de 80 fundos – e hoje cerca de 10% desse volume são de FIDCs de fintechs. E, pelo que mostram os números recente do mercado como um todo, não foi apenas a Solis que ficou mais seletiva com os fundos de fintechs: enquanto o volume total do patrimônio cresceu 33% em um ano, para R$ 341 bilhões em junho último (segundo a Uqbar), os FIDCs de fintechs minguaram 19%, para R$ 19 bilhões, segundo registros da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

Virada a favor

Apesar do recente cenário desafiador para o crédito, agora que os juros começaram a cair Macêdo está confiante que os FIDCs voltarão a ser atraentes, para tomadores e investidores. Agora em outubro, entra em vigor a Resolução CVM 175 que passa a permitir a aplicação em FIDCs por investidores de varejo – desde que respeitadas algumas exigências, como cota senior, classificação de risco e ativos “performados”. Até agora, a opção era restrita a profissionais e qualificados.

“Com a ajuda dos reguladores (BC e CVM) e o cenário conspirando a favor, quem tem um histórico relevante de entrega, equipe competente, gestão ativa e visão de crédito profunda vai aproveitar a maré alta que vem por aí”, acredita.

A Solis já estruturou mais de 150 FIDCs desde 2016, com o todo tipo de lastro – de consignado a empréstimo pessoal, PMEs, antecipação de recebíveis para fornecedores, financiamento estudantil e painel solar. No primeiro semestre deste ano, registrou R$ 600 milhões de captação líquida: “Julho foi bom e agosto também está sendo”.

Melhor escolha

Macêdo acredita que os FIDCs são a melhor maneira de uma fintech levantar recursos, “pois é difícil analisar balanço”. Ao securitizar o investidor dá o recursos diretamente para as operações que a empresa faz e não para a empresa, o que elimina o risco corporativo.

Pelo olhar dos empreendedores das startups, os FIDCs podem cumprir um papel estratégico bastante interessante, uma vez que permitem que estas consigam captar recursos para financiar sua originação de crédito (caso das fintechs) ou mesmo suas atividades em geral (outras startups), sem precisar passar por rodadas de captação de venture/private capital, que diluem a participação societária dos empreendedores, especialmente em momentos turbulentos quando a avaliação dessas empresas costuma ser negativamente impactada.

Em 2018, a Solis lançou um FIDC WareHouse que incubava determinadas fintechs em fase inicial, para dar acesso ao mercado de capitais: “Chegamos a ter sete dentro do mesmo fundo, o que permitia uma redução de custos para as tomadoras e, para o investidor, diversificação de riscos. Se a fintech cresce, fazemos um spin off”. Este por exemplo foi o caso da Trademaster, que ganhou um FIDC para chamar de seu – e hoje é investida pelos bancos BV, Sofisa e Mundial. “Pegamos na mão desde o começo, com nossa estratégia de gestão extremamente ativa”.