Com ex-Google, Neon aposta em cultura de dados e experimentação

Para André Madeira, CTO da fintech, existe uma "mina de ouro" nas transações dos usuários que não foi explorada por bancos e fintechs

Há cerca de 1 ano e três meses como CTO da Neon, André Madeira vem liderando uma transformação de como a fintech encara a tecnologia no negócio. Para isso, o executivo ex-Google e Snap tem feito o que chama de “reestruturação” na área de dados da empresa. Ao mesmo tempo, aposta no uso desses dados e de inteligência artificial (IA) para a ‘hiper personalização’ de produtos — uma visão de futuro. Além disso, busca fomentar internamente a chamada cultura de experimentação. 

O contexto de inovação financeira no país também é favorável, diz André, com a rápida popularização do Pix e a implementação do Open Finance. “O Pix é mágico porque transformou o Brasil em uma ‘cashless society’. E o Open Finance faz com que você não precise necessariamente ter uma relação primária com o usuário para conhecer os dados daquela pessoa”, diz o CTO.

Para o executivo, a “mina de ouro” está nas transações realizadas pelos usuários, ou seja, no Pix feito aqui e acolá. São essas movimentações que ajudam a contar o que as pessoas estão fazendo ou consumindo, por exemplo. “Mas até agora ninguém olhou para as transações do mesmo jeito que o Google fez um trabalho com base em informações públicas”, afirma André. 

Em uma conversa com o Finsiders no escritório da Neon, numa de suas passagens recentes pelo Brasil, o CTO dá algumas pistas sobre o que ele e sua equipe estão construindo no banco digital que se propõe a resolver as dores do trabalhador brasileiro. Dos 26 milhões de clientes atuais da Neon, 80% deles são das classes C, D e E. 

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Você chegou à Neon há pouco mais de um ano. Desde então, o que foi feito?

Uma das grandes coisas que a gente fez foi reestruturar a área de dados na Neon, que tinha uma postura muito “serviçal” ao business, ao invés de ter uma posição tecnológica. Significa olhar tecnologia não como área de custo, mas sim de oportunidade e, assim, usá-la para resolver problemas. Então, reestruturamos a fundação. É algo em evolução, não está pronto. Tenho uma visão que, junto com a vontade de trabalhar com o Pedro [Conrade, fundador da Neon] e o desejo de reaproximação com o Brasil, me fez vir para a Neon. 

O que é essa visão? Pode dar mais detalhes?

Não quero exatamente falar da visão, mas posso aludir a ela. É criar produtos realmente trabalhando com dados. Se você olhar o que o Google fez nos últimos 25 anos, o ‘output’ é muito valor para o usuário, e no ‘input’ tem a intenção do usuário. Então, basicamente o Google monetiza a intenção. Essa é a primeira “caixa-preta”. A segunda é o que chamo de “social media 2.0”. Nela, você dá um like em um post, assiste a um vídeo, e essa máquina monta um esboço dos seus interesses. A visão é que existe uma terceira “caixa-preta” que ninguém construiu ainda. Nela, o ‘input’ não é a intenção ou um esboço dos seus interesses, mas o que realmente você faz. Isso é muito valioso. 

Como isso se aplica ao setor financeiro?

Pelas minhas transações você sabe, por exemplo, que eu gasto mais de 1 mil dólares de sushi por mês e que eu gosto de esquiar. É como aquele ditado:  “diga-me com quem anda que direi quem és”. No caso, é “me dê suas transações e eu lhe digo o que você precisa saber”. Então, as transações são uma “mina de ouro”. E até agora ninguém fez um trabalho olhando para isso do mesmo jeito que o Google fez baseado em informações públicas. 

Isso tem a ver com Open Finance, não?

O Brasil tem duas coisas mágicas: Open Finance e Pix. A Europa tem Open Finance, mas não tem Pix. A Índia tem o Pix, mas não tem Open Finance. Os EUA não têm nenhum dos dois. Por que essas duas coisas são mágicas? O Open Finance faz com que você não precise ter uma relação primária com o usuário para saber os dados da pessoa. E o Pix é mágico porque transformou a sociedade brasileira numa “cashless society”. Mas a caixa preta não é só transação. É também o que você assiste na Netflix, onde você vai com o Uber. Para isso, preciso montar um time muito forte em dados. Trouxemos um chief data officer e muitos talentos que têm a visão que tenho. Um exemplo disso é a  fundação de experimentação.

O que é isso?

Por exemplo, a minha mãe tem 72 anos e ela não consegue usar a Neon como uma pessoa de 25. Então, a gente precisa de uma personalização das nossas ofertas, dos nossos produtos. Essa personalização só vem se você consegue rodar vários experimentos. Você precisa ser humilde o suficiente pra testar várias coisas ao mesmo tempo. Tem uma ideia? Testa 10 variações delas. É uma cultura de experimentação. O próprio acesso ao crédito é um exemplo disso. É difícil tomar decisão quando se analisa uma pessoa que não tem muitos dados ou histórico. Mas em vez de negar [o crédito], podemos conceder um valor menor, aprender com o cliente e ir aumentando o limite. Significa, então, mudar a modelagem e política de crédito para ser mais adaptável a esse mindset de experimentação. 

Vocês estão usando IA? Se sim, como? 

Você consegue fazer tudo o que falei sem usar inteligência artificial (IA). Tem algoritmos de machine learning, por exemplo. Agora, se você sabe usar IA, consegue fazer isso e muito mais. Ou mais rápido ou mais eficiente. Então a inteligência artificial é muito poderosa. Só que isso ainda não está completamente refletido nos nossos produtos. Daqui a um ano, se a gente se falar, estará. Na Neon, a inteligência artificial vai entrar em todos os produtos e já está entrando. Ela vai se manifestar através de personalização. Você vai ver todos os produtos sendo muito bem personalizados e as pessoas vão gostar de várias “Neons” diferentes. Cada pessoa vai ter uma experiência diferente, do mesmo jeito que cada um hoje tem uma experiência diferente no Instagram ou no Google, que são hiper personalizados. A Neon vai ter uma série de produtos hiper personalizados. E para hiper personalizar, você precisa de tecnologia de ponta, assim como pessoas que já fizeram isso antes em outro contexto. 

<< Reforços

Nos últimos meses, sob a liderança de André, a Neon tem feito contratações de peso em tecnologia e dados. Em abril, por exemplo, anunciou a chegada de Fengming Wang, também ex-Google, como novo Chief Data Officer (CDO). Há cerca de um ano, a fintech também promoveu Carlos Carvalho a diretor de engenharia, assim como recrutou diversos profissionais oriundos do Vale do Silício, entre eles, Venkat Karun, outro ex-Google, que recentemente se tornou Chief Architect. 

Com mais de 2 mil funcionários, a Neon adota um modelo de trabalho híbrido. Em janeiro do ano passado, aliás, lançou o projeto “Neon em todo canto”. O objetivo é oferecer flexibilidade e autonomia para que seus profissionais possam trabalhar de qualquer lugar do mundo.

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