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Com IA, bancos digitais embarcam de vez no WhatsApp

Players como Magie, Jota e PicPay investem em assistentes que fazem transações sem sair do aplicativo de mensagens

Conversas no WhatsApp
Imagem gerada por IA/Adobe

Unanimidade entre os brasileiros, o WhatsApp deixou de ser apenas um canal de atendimento para se tornar um ambiente transacional. Grandes instituições financeiras, bancos digitais e fintechs estão embarcando diversos produtos e serviços financeiros na plataforma, principalmente pagamentos e transferências via Pix.

Em 2018, quando o mobile banking correspondia a apenas 40% das transações bancárias no Brasil conforme pesquisa da Febraban com a Deloitte, dá para dizer que o WhatsApp entrou no radar das instituições financeiras. Naquele ano, o Banco do Brasil (BB) inaugurou o atendimento aos clientes pelo app de mensagens, movimento que depois foi seguido pelos demais grandes bancos. O crescimento desse canal, inclusive, levou a Febraban a monitorar esse tipo de transação nas últimas duas edições de seu estudo anual. 

A principal razão para o avanço do WhatsApp na estratégia de bancos e fintechs é o hábito de uso do consumidor brasileiro, que não vive sem o app de mensagens. Mas essa não é a única explicação. Os sistemas de integração da Meta, via APIs, também evoluíram nos últimos anos. A criação do Flows, no final de 2023, foi emblemática. Com o recurso, empresas podem construir experiências conversacionais nativas no WhatsApp, sem tirar o usuário do app. 

WhatsApp + IA

Segundo Guilherme Horn, chefe do WhatsApp para Brasil, Índia e Indonésia, bancos e fintechs perceberam que poderiam ir além do atendimento ao cliente e passaram a disponibilizar produtos diretamente pelo aplicativo. “A taxa de conversão no WhatsApp é muito mais alta que em qualquer outro canal. Há casos em que a conversão é 40 vezes maior”, diz o executivo, ao Finsiders Brasil

Em paralelo ao avanço das plataformas da Meta, nos últimos anos houve a disseminação dos modelos de Inteligência Artificial Generativa (GenAI), principalmente o ChatGPT, da OpenAI. Criou-se, assim, o cenário perfeito para o surgimento dos assistentes virtuais inteligentes no WhatsApp, que funcionam quase como um gerente de banco no modelo digital. 

Lançada no início de 2024, a Magie puxou essa corrida, com uma solução desenvolvida 100% via WhatsApp – a fintech não tem aplicativo próprio. Interagindo com a assistente digital pelo app de mensagens, o usuário consegue transacionar via Pix, fazer pagamentos de boletos e trazer o saldo de suas contas bancárias em outras instituições financeiras por meio do Open Finance. Além disso, a conta rende 100% do CDI diariamente. 

A Magie não tem autorização para operar como uma instituição financeira ou de pagamento. Portanto, hoje atua por meio de parceiros, como Celcoin (de Banking as a Service, BaaS) e Iniciador (plataforma de iniciação de pagamento e dados via Open Finance). A empresa estuda se tornar uma instituição regulada, diz o CEO e fundador, Luiz Ramalho.

De acordo com Luiz, a intenção da Magie não é competir com os bancos, mas ser uma solução complementar. “Nosso objetivo é capturar a interface e atenção do cliente. Com Open Finance, os produtos bancários se tornam mais ‘comoditizados’. Então, o diferencial será a experiência e o canal de interação”, avalia o empreendedor, ex-Goldman Sachs e Blackstone.

Confiança do cliente

Atualmente, a conversa com a Magie – por texto, voz e foto – possibilita basicamente realizar pagamentos e transferências. O perfil de usuário é quem faz bastante transações por Pix ou gosta muito de tecnologia. “A ideia é ir progressivamente para outras atividades financeiras, como crédito e investimentos”, diz o CEO. “O fato de ter nascido sem app, diferentemente dos demais bancos, faz com que sejamos forçados a deixar nosso gerente digital cada vez mais completo.”

Como o ambiente conversacional do WhatsApp ainda é uma modalidade de interação nova para transações financeiras, Luiz diz que há uma jornada de criação de confiança nos usuários. Tanto é que hoje a Magie não cobra pelos serviços. “Conforme tivermos a atenção e confiança do cliente, podemos incluir produtos próprios e de parceiros para monetizar. Mas agora nosso roadmap está mais orientado em funcionalidades para melhorar a experiência do cliente do que empurrar produtos pagos”, afirma o CEO. 

O empreendedor não abre números sobre o negócio, como os volumes financeiros movimentados ou o tamanho da base de usuários. “O que posso dizer é que já passamos bastante dos US$ 100 milhões em movimentações que divulgamos até meados do ano passado. E estamos com milhares de clientes”, diz. 

De olho na PJ

A Magie foi desenvolvida para pessoas físicas, mas também vem sendo usada por pequenas empresas. Esse comportamento levou a fintech a construir o que o CEO vem chamando de Magie PJ em posts no seu LinkedIn. “Ainda não posso dar mais detalhes, mas é um lançamento que faremos nas próximas semanas”, diz.

Enquanto a Magie começa a desbravar o segmento de empresas, o Jota nasceu justamente para atender micro e pequenos negócios. Criada em julho de 2024 e lançada oficialmente em janeiro deste ano, a fintech atende desde trabalhadores informais até empresas com múltiplos sócios, que faturam até R$ 100 mil mensais, diz o co-fundador Marcelo Leite. “O pequeno já faz pedidos e cobra pelo WhatsApp. Agora, pode também pagar e receber sem precisar abrir o aplicativo do banco.”

À frente do Jota, além de Marcelo, está Davi Holanda. Experiente executivo no setor de pagamentos, Davi foi diretor na PagSeguro (atual PagBank) e CEO e fundador da plataforma de BaaS Bankly, comprada em 2023 pelo banco BV. Já Marcelo começou a carreira em investment banking e, depois, trabalhou por cinco anos na startup de gestão empresarial Omie, onde Davi inclusive chegou a atuar por alguns meses em 2024. 

No futuro, crédito

Segundo Marcelo, hoje o Jota permite fazer pagamentos de Pix e boleto, por meio de áudio, imagens e texto. Além disso, é possível receber e cobrar por meio de QR Code via Pix. Tudo no WhatsApp – a fintech também não tem app próprio. Para operacionalizar os serviços, a empresa utiliza a infraestrutura bancária da Celcoin. 

Com IA, o Jota também já traz alguns insights para os clientes, como cálculos financeiros e relatórios de faturamento diário. “Ainda estamos no começo dessa parte de IA, vamos continuar evoluindo para combiná-la com a jornada transacional”, afirma ele. 

Entre as novidades no curto prazo, diz Marcelo, estão as funcionalidades de agendamento de transações e consulta de boletos. “Queremos que o Jota seja um braço direito do empresário, um assistente que executa tarefas automaticamente”, aponta. Para o futuro, o plano é incluir outros meios de pagamento, além de produtos de crédito, como antecipação de recebíveis. É com essa evolução que a fintech pretende ganhar dinheiro – hoje toda a interação com o Jota é gratuita. 

A “resposta” dos neobancos

Se Magie e Jota já nasceram no WhatsApp, alguns dos maiores bancos digitais do País também se renderam ao app de mensagens. Nos últimos meses, players como PicPay, C6 Bank e Nubank lançaram assistentes com IA Generativa no WhatsApp. O primeiro a anunciar esse recurso, no começo de novembro de 2024, foi o PicPay. Ainda naquele mês, o C6 divulgou o seu. E no início de dezembro foi a vez do Nubank.

De acordo com Danilo Caffaro, vice-presidente de Serviços Financeiros do PicPay, o assistente permite, por exemplo, que o cliente pague um Pix apenas encaminhando uma mensagem que tenha a chave Pix e o valor. Na prática, a IA treinada pelo banco digital entende contextos complexos, como uma foto de tabela de preços ou um áudio sobre despesas compartilhadas. 

Em relação à segurança, Danilo diz que a estratégia inicial do PicPay foi garantir a autenticação do usuário com biometria no aplicativo da fintech, e não dentro do WhatsApp. “A gente acredita que a percepção sobre segurança numa solução como essa é muito relevante para que isso decole”, afirma. Segundo ele, em breve a autenticação poderá ser feita pelo app de mensagens.

Conforme Guilherme, do WhatsApp, o app tem uma confiabilidade muito grande, o que justifica a adoção pelos brasileiros. “Um dos princípios inegociáveis do WhatsApp é ser simples, com segurança e privacidade”, diz. Na visão do executivo, a tendência é que mais bancos e fintechs levem produtos e serviços financeiros para o app. Mas isso significaria o fim dos aplicativos dessas instituições? “Alguns vão preferir usar o app; outros, o site; ou ir até a uma agência. Não temos intenção que os apps acabem.”

Para Guilherme, um dos principais desafios para bancos e fintechs adotarem o WhatsApp é a comunicação ser síncrona. Nesse modelo, por exemplo, o assistente não inicia um novo atendimento a cada interação com o usuário. A conversa tem um histórico, um fio condutor. “Todas [as empresas] já enxergaram que isso é importante. É uma característica que a gente chama de mindset conversacional. Mas colocar isso em prática é um grande desafio. Exige adaptação de processos.”