
Festejado pelas fintechs como uma alternativa para ampliar sua fatia no crédito com garantia, hoje majoritariamente nas mãos de grandes bancos, a regulamentação do novo crédito consignado privado ainda não deslanchou entre elas. E pelo jeito, a adesão em massa ao e-consignado – apelidado pelo Governo Federal de “crédito do trabalhador” – ainda vai demorar.
Não é por outro motivo que as taxas cobradas na primeira semana de funcionamento ficaram em torno de 5% a 6% ao mês. Ou seja, acima dos 3% ao mês, em média (42% ao ano, segundo o Banco Central), cobrados pelos bancos que operam o consignado privado firmado por convênios com as empresas empregadoras. Afinal, com baixa oferta e alta demanda, a concorrência praticamente inexiste.
O governo informa que 24 instituições se cadastraram para operar a modalidade. Mas até agora, segundo fontes do mercado ouvidas por Finsiders Brasil, além do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal, somente as fintechs Agibank e meutudo estão na briga. A primeira afirma que tem sido responsável por 25% dos contratos fechados, e que pratica taxas a partir de 2,99%. Já a outra não quis revelar seu desempenho nem suas taxas. O crédito consignado privado da meutudo é oferecido em parceria com a Parati Financeira, recentemente incorporada à fintech e aguardando aprovação do Banco Central (BC).
A associação de fintechs Zetta informou, em nota, que entre os associados os dois credenciados a operar, Nubank e Neon, não entraram no jogo ainda. Procurado, o Nu confirmou por meio da assessoria que não está operando, mas que “está comprometido com o sucesso do novo programa”. Já o Neon não se manifestou. No ano passado, a carteira de consignado privado do Neon atingiu R$ 651 milhões, alta de 8% em relação ao ano anterior.
Oferta e demanda
De outro lado, como era de se prever, a procura é grande. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), até a noite da última quinta-feira (27/3), foram firmados 193,7 mil contratos – apenas 1,67% do total de 11,6 milhões de propostas de crédito enviadas pelos brasileiros. Nos sete primeiros dias do programa, o volume em empréstimos superou R$ 1,28 bilhão. Só o BB afirma ter emprestado R$ 600 milhões, conforme disse ao jornal Folha de S.Paulo.
Para o Agibank, a entrada no consignado privado é estratégica. “O potencial de crescimento desse mercado é relevante. Tendemos a ampliar nosso protagonismo à medida que o segmento amadureça”, disse em nota o CEO do Agibank, Glauber Correa. A fintech acredita que tem conseguido atender o alto volume de pedido graças ao modelo “híbrido” – digital e físico – adotado.
Até então, o Agibank operava com consignado para beneficiários do INSS e também funcionários públicos, e com a nova linha estima um mercado endereçável de 100 milhões de brasileiros “que terão algum potencial de oferta com o Agibank”.
O Banco Pan enviou nota comunicando que está ofertando a modalidade. Mas foi bem claro: “Nossa estratégia será focada na conversão de clientes que já possuem crédito pessoal sem garantia, proporcionando economia e previsibilidade financeira para esse público”, afirmou na nota Alex Sander Gonçalves, diretor comercial e de produtos do Pan. Em sua página, o simulador aponta taxa mensal de 3% ao ano, mas com várias ressalvas, indicando que como o Agibank, esta é a taxa mínima – e não necessariamente efetiva.
Risco duplo
Apesar de ser um crédito com a garantia do salário do trabalhador, o novo consignado privado envolve o risco da própria empresa pagadora. O desconto em folha depende dela informar o e-social, e fazer o pagamento – dos impostos e da parcela do empréstimo. “Se a empresa sonegar esses recolhimentos, ou se a empresa quebrar, o banco não recebe”, explicou uma fonte, que preferiu não se identificar.
Ou seja, o risco é duplo. Afinal, o empregado também pode ser demitido, por exemplo – e se a empresa não depositar seu FGTS regularmente, a instituição pode não receber. Existe, portanto, uma possibilidade de o mesmo banco dar o e-consignado para o mesmo CPF com taxas maiores ou menores, dependendo da empresa onde ele estiver contratado no momento.
“Embora se espere que este produto ofereça taxas mais baixas em comparação com empréstimos pessoais não garantidos, o que também poderia ajudar a reduzir os encargos da dívida existente, este anúncio ocorre em tempos de altas taxas de juros e tensões inflacionárias que provavelmente continuarão a afetar a capacidade de pagamento dos tomadores”, diz relatório sobre o novo consignado da agência de classificação de risco de crédito Moody’s.
Estratégias
A estratégia do Pan revela que os pioneiros no desbravamento da nova modalidade estão optando por segmentar suas ofertas. “Oferecer apenas a quem já é cliente, ou a um nicho bem conhecido – como trabalhadores da área da educação, por exemplo – ajuda a controlar o risco”, diz uma fonte, que preferiu não se identificar. Da mesma forma, uma instituição pode escolher dar esse empréstimo apenas a funcionários de uma empresa que já seja sua cliente.
“Para fintechs acostumadas a dar ‘crédito clean‘, sem garantias, pode valer a pena correr o risco de entrar primeiro e aprender, fincando bandeira no território”, disse outra fonte.
Existem, também uma série de dúvidas operacionais. Uma delas diz respeito à obrigatoriedade de usar o crédito concedido para quitar outros tomados no mesmo banco (ou não) a juros mais altos. “Recentemente, uma fintech foi descredenciada pelo governo porque não atentou a isso. Depois teve que refazer a operação e pedir para ser reintegrada”.
“Temos visto desde o lançamento do consignado privado estimativas que têm variado muito sobre o impacto. Também há muita dúvida sobre o quanto disso representa de fluxo novo de dinheiro ou substituição de dívida velha por nova, e como se desdobrará ao longo do tempo”, disse o presidente do BC Gabriel Galípolo, em evento online na sexta-feria (29/3).
E, claro, também existem riscos associados à novidade. “Crédito é modelagem, e quanto maior a amostra melhor os dados”, diz outra fonte. Ou seja, mergulhar agora em mar aberto, antes de saber o comportamento das empresas, dos trabalhadores, e do próprio sistema é um risco incalculável.
Estimativas
“A criação do consignado privado operado de forma centralizada pelo DataPrev pelo Governo é uma iniciativa inovadora e excelente. Mas como tudo que é novo e disruptivo, levará tempo para funcionar sem fricções”, diz Caroline Hees, diretora de crescimento da BYX. Para ela, a modalidade somente estará operando plenamente a partir do ano que vem. Caroline faz um paralelo com a centralização dos recebíveis de cartões, inovação lançada pelo Banco Central que passou a vigorar em junho de 2021, mas que levou tempo para deslanchar.
A estimativa é que o novo consignado privado possa gerar entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões em desembolsos mensais, beneficiando cerca de 40 milhões de pessoas que atualmente têm acesso limitado ao crédito consignado privado. Isso porque hoje é preciso que a empresa assine um convênio com determinada instituição financeira para que o trabalhador tenha acesso ao consignado, o que não dá chance do trabalhador escolher o banco com o qual quer operar. E, também, dificulta a instituições menores, como as fintechs, concorrem por esses convênios.
“Nos próximos dois a três anos, essa modalidade pode se tornar tão relevante quanto o consignado do INSS. Hoje, as folhas de pagamento do setor privado e do INSS movimentam cerca de R$ 120 bilhões cada. No entanto, enquanto o consignado do INSS possui uma carteira de aproximadamente R$ 260 bilhões, o consignado privado ainda está em R$ 40 bilhões”, disse em março Fernando Perreli, CEO da BYX.
A BYX Capital, fintech que surgiu há quatro anos para oferecer infraestrutura para crédito consignado, atua em três pilares principais: originação, produtos white label e securitização.
Como funciona
O novo consignado privado, também chamado de e-consignado ou “crédito do trabalhador”, foi criado pela Medida Provisória 1.292/2025, assinada em 12/3. Desde 21/3, trabalhadores podem acessar empréstimos com taxas mais baixas, usando a Carteira de Trabalho Digital e garantindo até 10% do FGTS e 100% da multa rescisória.
O crédito pode ser solicitado diretamente aos bancos, sem depender de autorização dos departamentos de recursos humanos. No primeiro mês, contudo, a jornada é exclusivamente pelo app da carteira de trabalho. A partir de 25/4, os bancos poderão oferecer o produto dentro do seu aplicativo próprio.
Colaborou Danylo Martins