Fintechs e bancos digitais armam estratégias para fisgar "creators"

Um em cada três "creators" tem no trabalho com conteúdo sua única fonte de renda, segundo pesquisa do Youpix

Em uma economia cada vez mais digital e conectada, os influenciadores digitais ganham força mundo afora, e o Brasil se destaca nesse sentido. Conforme uma pesquisa da Nielsen, o país soma 10,5 milhões de “influencers” no Instagram, o que o torna o maior mercado na categoria. Detalhe: um em cada três “creators” tem no trabalho com conteúdo sua única fonte de renda, de acordo com um levantamento recente feito pela plataforma Youpix com a agência Brunch.

De olho na profissionalização dessa “indústria”, fintechs e bancos digitais começaram a desenvolver estratégias, campanhas e serviços específicos para os chamados “creators”. É o caso da Husky, fintech de remessas internacionais que facilita o pagamento de brasileiros que trabalham para companhias no exterior. A empresa — comprada pela Nomad no ano passado — acaba de lançar o Creators by Husky, um serviço que atende especialmente criadores de conteúdo e gamers.

Segundo Luis Evangelista, head de marketing da Husky, a fintech entendeu que havia um espaço para desburocratizar o atendimento aos “creators” depois de fazer uma pesquisa e verificar que a quantidade de influenciadores que recebiam pelo Google AdSense cresceu quatro vezes mais entre janeiro de 2021 e o mesmo mês deste ano.

“A cada dia nasce um novo influenciador. A Husky mirou esse público por conta do potencial. Hoje, esse público recebe valores cada vez mais estratosféricos. Mas há uma pulverização. E eles estão aumentando suas receitas em diferentes plataformas”, diz Luis, em conversa com o Finsiders.

Diferentes plataformas

O executivo afirma que um dos maiores problemas é que os influenciadores recebem por diferentes plataformas, como Twitch, YouTube, Google AdSense e Kwai, com diferentes regras. Como estão mais preocupados na produção do conteúdo e engajamento, também acabam pagando taxas abusivas.

Luís Evangelista, head de marketing da Husky. Foto: Divulgação
Luís Evangelista, head de marketing da Husky. Foto: Divulgação

“A educação financeira no Brasil é um tabu. Quando você fala de profissionalização de conteúdo, eles não sabem como sacar das plataformas ou aumentar os ganhos. Nosso papel é ajudar nessa profissionalização para que eles cresçam cada vez mais”, afirma Luis.

Para dar essa “mãozinha” na parte financeira, a Husky pretende atuar esclarecendo dúvidas recorrentes dos usuários, como a respeito das taxas e impostos incidentes nas transferências, e até mesmo em aspectos mais abrangentes sobre administração da renda. Na plataforma, ao deixar de fazer o envio do dinheiro de forma automática, o usuário pode escolher qual o melhor momento de fazer a conversão, aproveitando a valorização do dólar.

Atualmente, a média de ganho dos influencers gira em torno de US$ 6,3 mil (cerca de R$ 30.316), o que varia entre quem recebe a partir de US$ 100 até aqueles com remuneração acima de US$ 100 mil. Para engajar o público-alvo, os usuários terão o primeiro pagamento sem a aplicação de taxa.

A taxa padrão aplicável aos clientes é de 2%, mas isso cai pela metade caso o influenciador seja indicado por outro cliente — neste cenário, os dois passam a pagar 1% de forma permanente. Assim, espera evitar que os clientes deixem uma parcela significativa dos ganhos pelo caminho.

PF e PJ

Nesta seara dos “creators”, porém, a Husky não está sozinha. O banco digital BS2, por exemplo, notou durante a pandemia uma demanda maior por sua conta internacional em dólar, principalmente oriunda do público formado por gamers, influencers e nômades digitais.

“São pessoas que recebem dinheiro de forma recorrente por meio de plataformas digitais no exterior, como AdSense, Twitch, e YouTube”, aponta Carlos Eduardo (Cadu) de Andrade, diretor-executivo de câmbio do BS2. Atualmente, o banco tem 215 mil contas internacionais (PF e PJ), e cerca de 30% da base é de “digital influencers”, segundo o executivo.

Um dos benefícios oferecidos para essa clientela é a isenção de tarifas para receber pagamentos de patrocínios e direitos de imagem por essas plataformas. Outro diferencial, segundo ele, é permitir que os “creators” mantenham recursos na conta internacional, sem necessariamente ter de converter a quantia para real.

Carlos Eduardo de Andrade, diretor-executivo de câmbio do BS2. Foto: Divulgação
Carlos Eduardo de Andrade, diretor-executivo de câmbio do BS2. Foto: Divulgação

Esse recurso, por exemplo, é usado por gamers para compra de equipamentos. Tanto é que, em média, 17% das transações de consumo usando o cartão de débito internacional do banco são para aquisição de eletrônicos, como hardware para usuários gamers, mas também câmeras fotográficas, HDs, entre outros.

O executivo cita, ainda, que a instituição tem acompanhado a evolução dos “influencers”. Conforme crescem, naturalmente preferem migrar de uma conta pessoa física (PF) para a modalidade de pessoa jurídica (PJ). “E eles continuam sendo atendidos pelo banco. Transferir a conta internacional PF para PJ é muito simples”, afirma Cadu.

Proposta de valor

Na visão de Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem, a maior necessidade financeira dos “creators” é o recebimento de recursos do exterior e, portanto, o fechamento do câmbio de forma mais simples, barata e menos burocrática. Contudo, para se diferenciar e ganhar tração ao longo do tempo, é preciso ir além dos serviços financeiros, avalia o especialista.

“Um banco digital só para esse público é uma proposição de nicho muito estreita para se sustentar. Em resumo, é necessário ter benefícios e um ecossistema de soluções muito robusto para ser suficientemente atrativo”, argumenta Bruno. Em muitos casos, é possível firmar acordos, em vez de desenvolver tudo dentro de casa. “Por exemplo, pode fazer parceria com agências de marketing de influência para integrar serviços adicionais.”

>> Influencers Bank: para além de um banco digital

Com experiência de 20 anos como empreendedor, sendo os 10 últimos na economia criativa, o publicitário Ricardo Franco Marques tem no currículo empresas como Eletromidia (de mídia out-of home), Vevo (plataforma de vídeos de músicas), Mynd (agenciamento de artistas), Humanz (de criação de conteúdo) e Spark (de tecnologia para a “creators economy”), entre outras.

Agora, Ricardo deseja usar essa bagagem para tirar do papel o Influencers Bank, um banco digital especializado em nano e micro influenciadores — aqueles que possuem entre 1 mil a 50 mil seguidores. A ideia nasceu no final de 2020, quando a Humanz chegou ao Brasil. Na tarefa de fazer a gestão completa das campanhas de influenciadores, a companhia usa uma inteligência artificial israelense.

À época, Ricardo viu que havia a oportunidade para implementar uma instituição financeira que fizesse a divisão dos pagamentos aos profissionais contratados nas campanhas das empresas. Além disso, como os influencers precisam de trabalho para fazer a roda girar, uma plataforma que disponibilizasse recursos financeiros e ainda realizasse a ponte com as marcas — ou seja, um marketplace — de acordo com o perfil do profissional, poderia facilmente tracionar.

Ricardo Marques, CEO do Influencers Bank. Foto: Divulgação
Ricardo Marques, CEO do Influencers Bank. Foto: Divulgação

“Hoje em dia existem várias plataformas, como a Squid, que fazem a conexão das marcas com os influencers. A gente quer ser uma solução agnóstica, com o ‘fit’ junto ao nosso cliente”, diz Ricardo. A estratégia é clara: “Queremos ser um facilitador. Se ele consegue trabalho, ele tem dinheiro e eu posso oferecer crédito”, completa.

Foco em nano e micro ‘influencers’

Lançado para investidores em abril de 2022, o Influencers Bank ainda está azeitando os últimos detalhes para rodar de forma oficial. Conforme diz Ricardo, a expectativa é começar a operar em outubro.

Sua principal característica será oferecer a antecipação de recebíveis, para que os “influencers” tenham de imediato um dinheiro que as marcas costumam repassar em 30, 60 ou até 90 dias após a entrega do trabalho.

“É muito importante começar bem focado. Hoje, o Influencers é uma necessidade. Para o mega influencer, nem tanto. O que a gente oferece de produto é muito importante para nano e micro. Talvez o mega precise de jobs ou uma consultoria em investimentos”, afirma Ricardo. “O importante é que estamos há 10 anos na economia criativa. A gente é uma martech que enxergou a oportunidade como fintech. Isso faz a diferença.”

Para começar a operar de fato, a empresa finalizou uma rodada junto a um investidor-anjo, entre dezembro e janeiro deste ano. Neste momento, aliás, está negociando um aporte maior junto a um banco — o negócio é mantido em sigilo porque ainda não foi sacramentado.

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