
Interesse existe, mas concorrência, por enquanto, ainda não. Apesar das contratações bilionárias, as condições de prazos e taxas do novo crédito consignado privado ainda não melhoraram. Para tentar reverter o quadro, o Governo Federal decidiu antecipar a portabilidade da nova modalidade para 6/5 – a data inicial era 6/6.
A decisão, embora ainda não oficializada, está no site do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e foi confirmada pela sua assessoria de imprensa ao Finsiders Brasil. Em nota, a Caixa já informou que no seu caso, a liquidação de dívidas de outras instituições – ou seja, a portabilidade – estará disponível, inclusive, a partir de 6/5.
Com a portabilidade, “a instituição financeira que cobra mais caro poderá perder a operação para outro banco caso não ofereça condições de juros mais competitivas”, explicou o ministro Luiz Marinho.
Mar aberto
Pescar um interessado no novo consignado privado no “mar aberto” do ambiente do aplicativo da Carteira de Trabalho, único canal disponível até o dia 24/4, é considerado arriscado. Os bancos oferecem consignado para trabalhadores sem relacionamento anterior e, portanto, cobram taxas mais altas. No leilão da Carteira de Trabalho, segundo apurou a reportagem, os juros podem chegar a 6% ao mês.
Maria Helena Chaves, diretora da Matera Crédito, explica que os bancos estão testando o ambiente de mar aberto com cuidado. “Alguns estão destinando pequenos volumes para entender como o mercado se comporta”, afirma. O ambiente também é favorável a bancos menores e fintechs, que não tinham acesso a folha de pagamentos das empresas para dar crédito consignado antes da nova Medida Provisória que implantou o novo sistema de leilão administrado pelo Dataprev.
Nem a oferta da nova modalidade pelos aplicativos dos bancos, que começou no dia 25/4, sozinha, será suficiente para melhorar o cenário. Embora as taxas possam ser menores, de 2,5% ao mês, continuam restritas aos mesmos clientes das mesmas empresas.
Concorrência real
Com a antecipação da portabilidade, o cenário muda. O trabalhador poderá contratar um novo empréstimo para quitar o antigo, com outra instituição. “Vai obrigar os bancos a oferecerem taxas mais competitivas para não perder a carteira”, avalia Maria Helena.
“A portabilidade cria uma concorrência real”, concorda Elaine Lovato, superintendente de Produtos da BYX. “Com a portabilidade, o trabalhador poderá comparar e levar a dívida para onde encontrar melhor condição”. Sem ela, é o banco concorrendo com ele mesmo dentro do seu app”.
A liberação da portabilidade deve mudar o equilíbrio de forças. A partir da antecipação, bancos menores e fintechs terão a chance de disputar diretamente os clientes das grandes instituições oferecendo taxas menores. O trabalhador poderá, em vez de ficar restrito ao banco original, pesquisar e migrar seu crédito para quem oferecer a melhor condição.
Nova fase
Mas a oferta pelos aplicativos dos bancos, e não apenas pelo app da Carteira de Trabalho, ainda deixa um mar de candidatos de fora. Isso porque, segundo Maria Helena, da Matera, os bancos estão focados em trabalhar dentro das empresas que já conhecem, onde têm relacionamento consolidado.
Essa escolha estratégica está ligada ao risco percebido. “No novo consignado privado, o risco não é só do trabalhador. É também da empresa”, explica Maria Helena. Como o desconto em folha depende de repasses feitos pela empresa via eSocial, qualquer falha compromete o pagamento ao banco.
Ainda segundo a executiva da Matera, o comportamento inicial dos bancos é lógico: “O risco de inadimplência é maior entre trabalhadores de empresas que o banco não conhece. Então, nesse momento, eles preferem trabalhar onde têm histórico”.
Elaine também chama atenção para isso: “A Dataprev ainda não implementou o sistema para abatimento automático das verbas rescisórias em caso de demissão, o que somente deve estar disponível em julho. Até lá, esses contratos são considerados crédito clean, sem garantias reais de recuperação em caso de desligamento do trabalhador, o que faz os bancos aplicarem prazos mais curtos e taxas mais altas.”
E tem mais: o repasse dos valores descontados em folha depende do recolhimento correto via eSocial pelas empresas empregadoras. “Se a empresa não repassar, o banco não recebe. E a punição prevista na lei é genérica”, diz.
Maria Helena também aponta essa preocupação: “Hoje, quem paga ao banco é a Caixa Econômica, a partir do recolhimento feito pela empresa. Se a empresa não cumprir corretamente, o risco aumenta”.
O futuro
O mercado ainda observa com cautela o desempenho das primeiras parcelas dos contratos já assinados. Segundo Elaine, o repasse correto dos descontos em folha — feito pelas empresas por meio do eSocial para a Caixa — será fundamental para consolidar a confiança no novo modelo.
Há incertezas, já que a Medida Provisória prevê punições genéricas para empresas que não repassarem os valores, sem detalhar mecanismos de execução. “Em maio vamos ver como o mercado vai se comportar. Se o fluxo funcionar, o mercado deve estabilizar”, afirma Elaine.
Se a arrecadação funcionar como esperado e a inadimplência se mantiver controlada, a tendência é que o crédito consignado privado ganhe robustez e amadureça, aproximando-se do desempenho tradicional do consignado público.
Mesmo com as incertezas, a expectativa é de crescimento. “O novo consignado tem potencial enorme”, diz Maria Helena. Ela acredita que, com o amadurecimento do modelo, as taxas devem cair e o produto ganhar estabilidade semelhante ao consignado público.
Para Elaine, a antecipação da portabilidade vai acelerar esse processo. “O mercado vai se ajustar com mais competição, juros menores e alongamento dos prazos”.
O governo aposta na movimentação de R$ 120 bilhões em operações no primeiro ano. Com a concorrência aberta, bancos grandes e pequenos terão que disputar cada contrato — e o trabalhador, pela primeira vez, poderá escolher.
Retrato
Seis instituições operantes do novo modelo de empréstimo responderam ao Finsiders Brasil sobre a oferta da modalidade pelos seus aplicativos. A Caixa afirmou ter contratado mais de R$ 900 milhões desde o início da operação, atendendo mais de 77 mil clientes em todos os Estados. A contratação pode ser feita no App Caixa ou pela Carteira de Trabalho Digital.
O Agibank informou que o aplicativo da instituição está habilitado para as contratações, operando junto a outros canais como o WhatsApp e unidades físicas (Smart Hubs). O banco não divulgou o número de contratos fechados, mas afirmou que espera crescimento gradual no volume de operações, condicionado à consolidação do novo modelo e à adesão dos empregadores. O Agibank apontou que ajustes operacionais entre empregadores e sistemas de folha de pagamento são os principais desafios nesse início.
O Itaú Unibanco comunicou que o crédito consignado privado está disponível para contratação direta no seu app desde 25/4. A contratação ocorre de forma digital, e trabalhadores que já possuíam empréstimos poderão migrar para a nova modalidade dentro do próprio aplicativo, com novas condições de pagamento. O banco não divulgou números de contratações.
Canal digital
O Nubank informou que a contratação do novo consignado por app também foi liberada, com oferta gradual. O processo de contratação envolve simulação, aceite de contrato e validação pela Dataprev.
O Banco Pan afirmou que já disponibiliza o novo consignado privado em seus canais digitais, incluindo aplicativo, site e WhatsApp. A contratação é realizada de forma digital. O banco não divulgou volume de contratos, citando restrições do período de silêncio.
O Banco Bmg comunicou que lançou um canal digital de autosserviço para contratação do crédito consignado privado. A operação pode ser realizada informando o CPF diretamente no aplicativo do banco. A instituição também disponibilizou a contratação de outros produtos consignáveis e informou que o objetivo é ampliar o acesso via canais digitais.