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De Campinas para São Francisco: Matera aposta no FedNow, o “Pix” dos EUA, e em desenvolvedoras de softwares locais

Dario Palhares

A Matera, desenvolvedora de sistemas digitais para o setor financeiro, inicia a sua expansão internacional ancorada na releitura de uma das máximas de Juracy Magalhães (1905 – 2001). Se o ex-titular do Ministério das Relações Exteriores acreditava que o que bom é para os Estados Unidos é bom para o Brasil, a companhia paulista, um dos destaques do ecossistema de inovação de Campinas, pretende demonstrar que o aforismo se aplica, em sentido inverso, a redes de pagamentos instantâneos. Já em execução, o plano estabelece a apresentação aos ianques, atualmente às voltas com a implantação do FedNow, das criações da casa para o Pix.

“Hoje, 8% de todas as transações de Pix passam por softwares da Matera”, diz o diretor executivo Diogo Meireles. “Estamos levando nossa experiência na área aos Estados Unidos, que planejam lançar o FedNow, com menos funcionalidades do que o Pix, em meados do próximo ano.”

O acesso da Matera ao maior mercado global recebeu a chancela de ninguém menos que o Federal Reserve (FED), o banco central dos Estados Unidos. No fim do primeiro trimestre do ano, a empresa brasileira foi incluída na relação inicial de 74 fornecedores de serviços para a implantação do FedNow, que, desde então, ganhou mais 21 nomes. Em agosto, ela apresentou seus trunfos para a investida internacional, que demandaram mais de 12 meses de desenvolvimento: a versão ianque do Matera Instant Payments, usado por mais de cem clientes brasileiros, e a plataforma Digital Twin, que permite a digitalização de core bancários analógicos.

“O FedNow será um desafio para os bancos e todo o sistema financeiro dos Estados Unidos, que não estão preparados para processar milhares de informações por minuto. Um exemplo são as TEDs, que, por lá, só são concluídas em três ou quatro dias, devido a um sistema arcaico de compensação”, diz Meireles. “Com o Digital Twin, as instituições norte-americanas poderão renovar seus core banks e receber ‘rajadas’ de pagamentos instantâneos sem problemas.”

Contando, há quatro meses, com um escritório em São Francisco, nas imediações do Silicon Valley, a Matera pensa grande. A intenção é aproveitar o aval do FED para expandir as operações em um país que soma cerca de dez mil potenciais fregueses, incluindo bancos de grande porte e regionais, credit unions e fintechs – número 20 vezes superior ao do mercado brasileiro. “A meta é conquistar ao menos cinco clientes nos Estados Unidos até julho de 2023”, diz Meireles. “Como nosso core bank é ‘agnóstico’, planejamos abordar Europa, América Latina e Ásia na sequência.”

No cenário doméstico, as atenções estão voltadas para negócios ancorados no Pix. A relação inclui fintechs – segmento que já responde por 20% do portfólio da casa, com 250 nomes – e o Ecossistema Matera, formado por desenvolvedoras de softwares. Criado em dezembro de 2020, o grupo, que soma 200 empresas, todas especializadas em sistemas para o varejo, recebe apoio para implementar, de forma individual ou conjunta, produtos e serviços próprios sobre as plataformas da Matera. O cardápio à disposição da turma recebeu, em meados do ano, o reforço do Payfac, que garante, por meio da emissão de códigos QR para os pontos de venda, pagamentos por Pix e a cobrança de taxas por transação, definidas pelos prestadores de serviços.

“Na prática, essa solução viabilizou uma nova fonte de receitas para as desenvolvedoras”, assinala Meireles. “Se antes elas faturavam somente com a venda de seus softwares para os varejistas, agora também recebem de 1% a 2,5% a cada venda realizada por meio do Pix.”

Nova ferramenta

Há pouco tempo na praça, o Payfac vem sendo adotado em escala crescente no ecossistema da Matera. Quality Automação, E-deploy, JN Moura, Nox, ViaTech, Redesoft e LBC são alguns dos usuários da nova ferramenta. Voltada ao desenvolvimento de sistemas gerenciais e de automação comercial para postos de combustíveis e lojas de conveniência, a primeira contabilizou 200 mil transações por Pix em julho, logo após a sua adesão à plataforma, e segue em curva ascendente.

“A Quality já ultrapassou a marca de 350 mil vendas mensais por Pix e só adotou o Payfac, até agora, em 20% dos 4 mil pontos de venda atendidos”, diz Meireles. “O nosso produto para vendas por Pix, estimamos, poderá reforçar as receitas das desenvolvedoras em geral em até 40%.”

A aposta em fabricantes de softwares voltados ao varejo vem rendendo dividendos. A Matera espera fechar 2022 com um faturamento por volta de R$ 300 milhões, mantendo a média de crescimento de 30% e 40% dos últimos cinco anos, e projeta um salto expressivo do seu ecossistema. Formada por cinco profissionais, a equipe encarregada do “rebanho” comemorou, em 25 de outubro, a participação de 115 desenvolvedoras em um evento promovido pela casa.

“A meta para o próximo ano é contar com pelo menos 500 software houses no Ecosssistema Matera”, diz Meireles. “Nosso sonho, a médio prazo, é atender de 40% a 50% do mercado nacional de desenvolvedoras de pequeno e médio porte, que soma de 7 mil a 8 mil empresas.”

Filha ilustre da Unicamp

Criada há 35 anos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) por cinco alunos de Ciência da Computação, a Matera segue a prestigiar o seu berço. Além de patrocinar regularmente eventos da instituição, caso da edição 2022 do Desafio Unicamp, a companhia é fundadora do Inova Ventures Participações (IVP), que reúne empresários ligados à Unicamp, e dedica especial atenção aos talentos da terra de Carlos Gomes (1836-1896).

“Temos um compromisso com o ecossistema de inovação de Campinas”, diz o diretor executivo Diogo Meireles. “Contratamos muitos serviços e profissionais aqui da cidade e damos preferência a alunos de universidades locais em nosso programa de estagiários.”

CEO e cofundador da Matera, Carlos Augusto Leite Netto é uma das referências dessa cultura

de apoio ao binômio criatividade e tecnologia.

Membro do IVP desde a sua fundação, em 2011, ele atua há tempos, por iniciativa própria, como investidor e mentor de vários negócios nascentes. “TK”, como é conhecido, cumpriu papel decisivo, por exemplo, na estruturação, no fim da última década, do Diesel Bank, tema da primeira reportagem especial desta série do Fintechs Brasil sobre as fintechs campineiras.

“Ele nos ajudou a desenhar e a digitalizar a proposta. De quebra, nos apresentou o Juliano Dutra, ex-sócio iFood, que se tornou mentor, investidor e membro do conselho do Diesel Bank”, diz Lucas Rodolfo, CEO da fintech voltada a caminhoneiros, que segue os bons exemplos  de TK. “Cerca de 80% da nossa equipe, de 30 pessoas, estudou na Unicamp.” (Dario Palhares)