Sob nova gestão, Zetta prioriza portabilidade e defende 'Pix salário'

A Zetta, que representa fintechs como Nubank, Mercado Pago, Creditas e PicPay, também busca "convergência" em algumas pautas com a Febraban

Aos dois anos e com um novo comando, a Zetta — associação de fintechs que reúne nomes como Nubank, Mercado Pago, Creditas e PicPay — enxerga a portabilidade (de crédito, salário e benefícios) como um dos principais temas que podem evoluir no Brasil, com o avanço do Open Finance, do Pix e da nova regulamentação para o setor de benefícios.

Não à toa, a entidade — hoje, com mais de 30 associadas — tem debatido com os órgãos reguladores algumas medidas para impulsionar a modalidade, que até hoje não ganhou força no país. Uma das propostas feitas pela Zetta ao Banco Central (BC), por exemplo, é a criação de uma espécie de “Pix salário”. Isto é, uma chave Pix específica para o mecanismo de portabilidade de salário.

Em relação à “troca de farpas” com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) nos últimos anos, os novos líderes da Zetta, Eduardo Lopes (presidente) e Fernanda Laranja (vice-presidente), dizem ver “pautas convergentes” com os bancos em prol do desenvolvimento da indústria.

“E nos temas que não houver esse entendimento, não há problema algum. Cada um coloca seu ponto de vista, o debate precisa ser rico, plural, ter contrapontos e ser construtivo”, diz Eduardo, que atualmente é diretor de políticas públicas no Nubank.

Nesta entrevista ao Finsiders, a dupla fala, ainda, sobre os desafios para o avanço do Open Finance e o potencial da tokenização de ativos. A entidade também lançará em breve um novo estudo, encomendado à Fipe, que mostrará o impacto das fintechs para a economia brasileira nos últimos anos.

Leia a seguir os principais trechos da conversa:


Finsiders: Quais as pautas prioritárias da Zetta até o fim do ano?

Eduardo Lopes/Zetta: Nossas pautas continuam sendo como fomentar a competição, principalmente com inovação. Nos últimos 2 anos, a Zetta se posicionou como uma entidade que pode contribuir bastante para o debate nessas frentes. E agora estamos olhando para temas que estão mais quentes no momento. Para os próximos 6 meses, por exemplo, estamos investindo muito nas portabilidades de crédito e salário. A parte de infraestrutura já evoluiu muito e agora precisamos potencializar esses dois institutos. Ainda nesse tema, tem um novo horizonte que é a portabilidade de benefícios. Quando falamos do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador), tem uma legislação que trouxe a necessidade de se abrir esse mercado, fomentar a competição, principalmente com a portabilidade e a interoperabilidade entre arranjos.

Como o Open Finance se relaciona com a portabilidade?

Fernanda Laranja/Zetta: Em decorrência do Open Finance, de entender a importância dele para a questão do crédito, temos defendido como associação a qualidade dos dados que são compartilhados. Além disso, com o Banco Central determinando alguns tipos de SLAs [sigla em inglês para acordos de nível de serviço] e cumprimento de ordem para o compartilhamento dos dados, a partir daí, teremos bons produtos e acesso a melhor crédito.

Eduardo: Até porque o Open Finance já permite essa troca de dados entre as instituições. Isso é meio caminho andado. Então, se essa infraestrutura permitir que você faça etapas subsequentes, por exemplo, as ofertas e a portabilidade efetiva do crédito, teremos um sistema que é muito mais eficiente do que se tem hoje. Atualmente, as pessoas não conhecem a portabilidade e, quando tentam, têm dificuldade porque os prazos são longos e o processo é complexo e burocrático. O Open Finance vem para simplificar tudo isso. A analogia é o Pix para o salário.

Como assim? O que seria essa analogia?

Eduardo: Para fazer a portabilidade de salário hoje, você entra na sua instituição, faz a solicitação e insere uma série de dados pessoais e do empregador. Depois, o pedido vai para outra instituição, que precisa confirmar. É um processo longo. O que estamos propondo ao Banco Central é uma espécie de ‘Pix salário’. Imagine você criar uma chave Pix específica para que seja feita essa portabilidade de salário.

Quando a Zetta submeteu essa proposta ao BC? Já tem algum retorno?

Fernanda: Desde o ano passado, estamos conversando com o Banco Central. Eles receberam muito bem nossa proposta. Obviamente estamos num cenário em que o Banco Central tem requerido capital intelectual para dar conta de tantas demandas. Mas temos uma sinalização de que a portabilidade é uma prioridade na agenda do regulador. Devem focar inicialmente em crédito, mas a portabilidade de salário também está entre as pautas.

O Open Finance brasileiro soma mais de 32 milhões de consentimentos e é case mundial. Ainda assim, tem um longo percurso para decolar, de fato. Quais os desafios para que o tema ganhe força no país?

Eduardo: Um dos primeiros desafios é o conhecimento em relação ao Open Finance, ou seja, o público em geral entender do que se trata porque ele é abstrato, conceitualmente falando. À medida que se tem casos de uso, vai ficando mais “palpável”. Por exemplo, dei consentimento para as três instituições onde tenho conta, e numa delas posso ter uma agregação de saldos. Além da divulgação e educação, tem a questão de facilitar o consentimento [no Open Finance]. Hoje, existe a renovação anual do consentimento, e é algo que pode ter uma melhor experiência, inclusive para não jogar contra o próprio sistema, gerando fricção grande para o usuário.

Fernanda: Entendemos que podemos solidificar o que está pronto até agora no Open Finance. Essa fase de compartilhamento de dados, da velocidade e do cumprimento de prazos entre quem está recebendo e quem está enviando os dados, é fundamental para a próxima fase pela qual vamos passar. Vemos com bons olhos e temos trabalhado em todas as agendas do Open Finance, mas entendemos que precisamos solidificar institutos que já existem até agora, para que efetivamente se tenha uma fluidez na experiência do cliente e eficiência nos produtos que serão ofertados a partir daí.

Como vocês enxergam a relação das fintechs com os bancos hoje, especialmente depois da “troca de farpas” que houve nos últimos anos com a Febraban e agora após um novo discurso contundente do Isaac Sidney, presidente da entidade que representa os bancos, na abertura do Febraban Tech? Os ânimos continuam exaltados ou terá um pouco mais de “paz” entre os lados?

Eduardo: Do nosso lado, a abordagem é a da proporcionalidade, ou seja, que as regras precisam ser proporcionais ao risco que aquela atividade representa. Então, todo esse esforço feito na legislação e regulação brasileira é muito bem-vindo para a competição, abertura de mercado e desconcentração. Para nós, essas licenças em “Lego” — específicas para uma atividade, com ônus regulatório e de observância proporcional — são muito adequadas.

Agora, em relação à “paz ou guerra”, acreditamos que existem muitas pautas convergentes para trabalhar em prol do desenvolvimento da indústria, servir melhor as pessoas e usar a inovação, de fato, para colocar o cliente no centro de tudo. E, assim, aumentar o acesso e melhorar e baratear os serviços, como também lidar, junto, com os desafios que surgem para o setor como um todo. E nas pautas que não houver entendimento, não há problema algum. Cada um coloca seu ponto de vista, o debate precisa ser rico, plural, ter contrapontos e ser construtivo. E a partir daí, vamos construir o melhor modelo. Ninguém aqui é dono da verdade.

A Zetta atuou, em conjunto com outras associações, para acelerar a publicação do decreto sobre o mercado de criptoativos. Qual o balanço que vocês fazem do que foi aprovado?

Eduardo: Na nossa visão, esse “caminhar” para a regulamentação foi um avanço importante, justamente para dar maior segurança jurídica e reforçar os padrões de transparência desse mercado. Aliás, queríamos que o decreto saísse logo. Mas sabemos também que a construção de uma regulação nunca é algo rápido.

O mercado de fintechs evoluiu bastante nos últimos tempos, principalmente em temas como pagamentos e crédito. Na visão de vocês, quais oportunidades ainda podem ser exploradas pelas fintechs?

Eduardo: Embora as fintechs tenham sido um motor de redução da concentração bancária, ela ainda é muito grande no Brasil. Então, ainda tem muito a ser feito em produtos-chave como pagamentos e crédito. E isso está relacionado com a agenda evolutiva do Open Finance. Mesmo o Pix tem uma estrada pela frente para evoluir. Acredito que uma frente promissora é a de tokenização de ativos. Acho que tem um mundo a ser explorado nesse sentido e tem muito potencial para servir para N finalidades, certamente algumas que ainda nem pensamos.

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