QI Tech compra corretora Singulare, especializada em FIDCs

A instituição, que passou por reestruturação nos últimos anos, administra aproximadamente R$ 97 bilhões em 960 fundos, sendo mais de 600 FIDCs

Duas semanas depois de anunciar um aporte de R$ 1 bilhão, a QI Tech, especializada em infraestrutura para serviços financeiros, cumpriu a promessa de ir às compras. A fintech está adquirindo 100% da Singulare, uma das principais corretoras de valores mobiliários do Brasil. 

O valor e os termos detalhados da transação não foram divulgados pelas companhias, mas a ideia é que a QI Tech assuma o controle do negócio, assim que houver aprovação por parte do Banco Central (BC) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Instituição com mais de cinco décadas, a Singulare é a antiga Socopa, que há três anos se separou do Banco Paulista e passou por uma reestruturação societária, que culminou inclusive na mudança de nome. Com a venda da carteira de varejo e corretagem para a XP, aprovada pelo Cade em setembro de 2021, a corretora passou a dar foco para serviços de administração fiduciária.

Com aproximadamente R$ 97 bilhões sob seus cuidados, divididos entre 960 fundos, a Singulare é líder por 11 anos consecutivos no ranking da consultoria Uqbar, em número de operações de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Ao todo, a instituição administra e custodia mais de 600 fundos desse tipo. 


Para a QI Tech, a aquisição reforça a recém-lançada unidade de negócios de ‘DTVM as a service’. Há cerca de quatro meses, vale lembrar, a fintech recebeu aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Anbima para operar como Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM). Assim, tornou-se a primeira fintech de crédito no Brasil a ter também uma licença para atuar como corretora. 

‘Tão grande quanto’

“Percebemos que é um mercado promissor, mas para poder chegar onde gostaríamos, precisaríamos trazer reforço, seja na parte de conhecimento, seja em tecnologia. E já éramos parceiros da Singulare”, conta Pedro Mac Dowell, CEO e cofundador da QI Tech, em entrevista coletiva a jornalistas. “A conversa deve ter começado há 1 ano e meio. Não foi uma negociação fácil, porque leva tempo e são operações grandes.”

O empreendedor evita falar em projeção de aumento de receita com o acordo, porém diz que a Singulare é uma companhia “tão grande quanto a QI”, sólida, geradora de caixa e lucrativa. “Em receita, a Singulare é maior, enquanto o resultado operacional da QI é superior. Uma companhia se encaixa bem na outra”, afirma o CEO. “Nosso objetivo é 1 + 1 virar 5.”

Conforme as últimas demonstrações financeiras, no primeiro semestre deste ano, a Singulare teve receita líquida de R$ 128,2 milhões, alta de 2,2% em relação a igual intervalo de 2022. O Ebitda avançou 31%, para R$ 50 milhões. Já o lucro líquido no período foi de R$ 27,8 milhões, aumento de 27,3% na mesma base de comparação. 

“Devemos fechar o ano com R$ 300 milhões de faturamento e podemos chegar a R$ 360 milhões no ano que vem. Isso sem contar as vantagens e os aperfeiçoamentos com a chegada da QI Tech”, diz Alvaro Augusto de Freitas Vidigal, o ‘Guti’, CEO e sócio-fundador da Singulare

Próximos passos

A conclusão da transação depende do sinal verde do Cade do BC. Enquanto isso, as estruturas seguem de forma independente. A marca da Singulare, a princípio, será mantida. “Essa será uma conversa que devemos ter nos próximos dias. Mas o nome não importa tanto. Até porque na Singulare, temos 140 clientes que são gestores que conhecemos por nome e sobrenome”, afirma Guti. 

“Mesmo após a aprovação do BC, a ideia é unir forças, manter pessoas e estruturas”, complementa Pedro. Hoje, a QI Tech tem por volta de 116 funcionários e a Singulare, cerca de 300. 

Além das sinergias naturais entre as companhias, os executivos ressaltam o impulso que deve ocorrer na indústria de FIDCs com a Resolução 175, da CVM, em vigor desde o início de outubro. Na prática, esse tipo de fundo agora pode receber investimentos do público em geral. Antes, esse produto estava disponível apenas para investidores qualificados (com mais de R$ 1 milhão em investimentos) ou profissionais (mais de R$ 10 milhões).

“A introdução do investidor do varejo é fundamental para o crescimento de longo prazo do mercado de FIDCs. Vai trazer incremento de patrimônio grande para a indústria. No nosso caso, mesmo com 960 fundos, temos só 6 mil investidores, enquanto um fundo de varejo chega a ter 200 mil investidores”, cita Daniel Doll Lemos, sócio e diretor de administração fiduciária da Singulare.

Novas aquisições na mira?

Fundada no início de 2018 e primeira Sociedade de Crédito Direto (SCD) a ser aprovada pelo BC, a QI Tech tem uma carteira de clientes com mais de 300 empresas. No primeiro semestre deste ano, a companhia registrou receita líquida de R$ 102 milhões, alta de 63% em relação a igual intervalo de 2022.

Atualmente, a fintech opera com quatro unidades de negócio. Além da DTVM, oferece banking as a service (BaaS), lending as a service (LaaS) e soluções de KYC (sigla em inglês para conheça seu cliente), onboarding, antifraude e motor de crédito. Essa última frente, aliás, ganhou corpo a partir da aquisição da Zaig, em dezembro de 2021. Além dela, a QI Tech comprou em abril deste ano a Builders Bank, de desenvolvimento de aplicativos bancários. 

As aquisições devem prosseguir. “Nos próximos 12 meses, acreditamos que terá outros negócios acontecendo”, diz Pedro. “Seguimos com a estratégia de M&A e de crescimento para ajudar a infra que temos hoje ser cada vez mais de ponta a ponta”, afirma o CEO. “Estamos sempre em busca de boas oportunidades, mas não temos pressa”, complementa Marcelo Bentivoglio, CFO e cofundador da empresa.

Dinheiro para fazer novos movimentos inorgânicos não deve faltar. A QI Tech é lucrativa, gera caixa, e acaba de adicionar R$ 1 bilhão (US$ 200 milhões), em uma captação liderada pela General Atlantic (GA). Há cerca de dois anos, a empresa já havia recebido R$ 270 milhões (US$ 50 milhões, no câmbio da época) do Fundo Soberano de Cingapura (GIC).

Competição

A QI Tech tem “poder de fogo” num mercado que está se tornando cada vez mais competitivo. Na infraestrutura bancária e financeira, inclusive crédito, quem vem se movimentando também é a Celcoin. A empresa já recebeu R$ 170 milhões em investimentos, fez três aquisições (Flow Finance, Galax Pay e Finansystech) e não deve parar por aí.

A Aarin, techfin comprada no ano passado pelo Bradesco, é outra empresa com ambições no ‘lending as a service’, de acordo com a CEO, Ticiana Amorim. Já na infraestrutura tecnológica para mercado de capitais, despontam players como Vórtx, Kanastra e Bamboo

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