Marco legal das criptomoedas é (enfim) aprovado na Câmara

A regulamentação das empresas que oferecem serviços de criptomoedas segue agora para a sanção presidencial

Saiu! Após sete anos, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de ontem (29), o projeto de lei 4.401/21, o ‘PL Cripto’, que define diretrizes para a regulamentação das empresas que oferecem serviços de criptomoedas, como as exchanges. O texto (antigo PL 2.303/15) agora vai para a sanção presidencial e posterior publicação — entrará em vigor 180 dias depois da promulgação.

A segregação patrimonial — separação dos recursos dos clientes e das empresas e tema que divide opiniões — ficou de fora. A favor estava, por exemplo, a ABCripto, associação do setor. Contra estavam empresas como a Binance. O Congresso decidiu que o regulador a ser escolhido — provavelmente o Banco Central (BC) — tratará isso de forma mais técnica.

A segregação tem defensores que alegam que isso dará maior segurança aos usuários e portanto, ao mercado, conforme explica o portal especializado Blocknews. Um exemplo é que poderia evitar casos como o da FTX. Quem é contra afirma que isso afeta a liquidez das empresas, limitando suas capacidades de operação, e beneficia apenas um grupo de prestadoras de serviços. O deputado Expedito Netto (PSD-RO), relator do projeto de lei, defendeu a não segregação para beneficiar “o pequeno”. Para ele, o detalhamento das regras poderá colocar a segregação de forma técnica.

A bancada do PT não discutiu a questão da segregação, disse o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). Por um lado, a segregação dá mais segurança ao usuário — conforme o texto do Senado — e levaria a concentração de mercado, afirmou. O texto editado na Câmara, sem a segregação, aumentaria o risco para os usuários. Assim, o partido liberou a bancada para votar como quisesse.

Regulação

De acordo com o texto, serão consideradas prestadoras de serviços de ativos virtuais as empresas que oferecem troca, em nome de terceiros, de moedas virtuais por moeda nacional ou estrangeira; troca entre um ou mais ativos virtuais; transferências deles; custódia ou administração, mesmo que de instrumentos de controle; e participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.

O projeto, explica a Agência Câmara de Notícias, considera ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento.

Ficam de fora desse enquadramento as moedas tradicionais (nacionais ou estrangeiras), as moedas estrangeiras (recursos em reais mantidos em meio eletrônico que permitem ao usuário realizar pagamentos por cartões ou telefone celular), pontos e recompensas de programas de fidelidade, e valores mobiliários e ativos financeiros sob regulamentação já existente.

Urgência

Em meio a notícias recentes de revezes no mercado de criptomoedas, como os casos da FTX e da BlockFi, houve uma movimentação crescente nos últimos meses para acelerar a publicação das regras no mercado brasileiro. Havia, ainda, um temor de que a mudança de governo e dos membros do Congresso, em 2023, poderia levar a novas discussões sobre o texto atual ou mesmo haver uma decisão por se começar a discussão do zero.

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Parte desse movimento aconteceu no início de novembro, numa união impensável até pouco tempo atrás. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) se juntou à ABCripto para defender que o Congresso acelerasse o processo de aprovação do projeto de lei, enviando carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Também assinaram a carta a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), a Associação Brasileira de Internet (Abranet), a Brasscom e a Zetta.

Fila

Projetos de lei para regular as criptomoedas começaram a aparecer em 2015 e no início não eram exatamente muito “pró-setor”. Mas, com o crescimento do mercado, das empresas e das fraudes, o assunto foi ganhando mais importância. A entrada de atores regulados, como os bancos, fez o tema ganhar ainda tração. Ainda mais porque o tema dos criptoativos está na agenda do BC, com seus estudos e testes do real digital, a CBDC brasileira.

Depois de passar na Câmara em dezembro de 2021, o tema foi aprovado no Senado em abril passado e ficou parado até agora. Mas, nesta volta para a Câmara, o deputado Expedito Netto (PSD-RO) apresentou um relatório que excluiu a obrigatoriedade das corretoras de terem CNPJ e de enviar ao BC informações sobre suas atividades assim que o PL fosse aprovado. Portanto, deu seis meses para se adequarem às novas regras. Além disso, tirou a segregação patrimonial do texto.

O deputado afirmou que o texto conta com o apoio do atual governo e do próximo também. E “que isto aqui ainda não é definitivo. Ainda temos a infra constitucional”, afirmou, se referindo aos detalhamentos da regulação que vêm pela frente. Netto disse esperar que o Banco Central seja o responsável por regular o setor. O mercado também espera isso.

Além do detalhamento da regulação que haverá, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também promete regras mais claras para criptoativos ligados à área que regula. O mercado também aguarda isso ansiosamente, já que há muitos projetos parados esperando a certeza de que estão dentro das regras.

Repercussão

Isac Costa, sócio do Warde Advogados, professor do Ibmec e do Insper, avalia que a medida tenta “demover o Estado brasileiro da inércia em resolver questões importantes, tais como a proteção dos investidores, a garantia de informações fidedignas, a mitigação de riscos de instabilidade financeira e a prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.”

O especialista, porém, entende que não seria necessário uma nova lei para que BC, CVM e Coaf agissem para proteger os investidores. “E, mesmo com a aprovação do PL 4.401/2021, ainda haverá um longo caminho para o detalhamento da regulação; e até lá, dificilmente teremos uma aplicação eficaz de qualquer norma. Talvez a lei leve até dois anos para ter algum efeito prático, o que me leva a crer que sua aprovação é um ato meramente simbólico. Porém, ruim com ela, pior sem ela”, afirmou, em nota.

Já Eduardo Bruzzi, sócio do BBL Advogados, destaca que o PL prevê a necessidade de que as prestadoras de serviços de ativos virtuais requeiram autorização de funcionamento, o que provavelmente será endereçado ao BC. “As prestadoras que estiverem em exercício, quando da aprovação da nova norma, terão o prazo de seis meses para adequação a exigências regulatórias e submissão de pedido de autorização. As instituições do mercado financeiro autorizadas a funcionar pelo BC prescindirão de nova autorização para prestação de serviços de ativos virtuais”, disse.

Em nota, a Zetta — entidade que representa empresas como Nubank, Mercado Pago, Mercado Bitcoin e Bitso — avalia que o marco regulatório traz mais segurança jurídica para o mercado brasileiro de ativos virtuais e representa um “passo importante” para o desenvolvimento do setor no país.

“É uma vitória para consumidores que desejam transacionar com ativos virtuais e agora com uma proteção legal. Também ganham as empresas que operam na criptoeconomia, diante de um cenário de maior transparência regulatória”, escreveu a associação.

*Com informações do Blocknews e da Agência Câmara de Notícias.

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