Tecnologia facilita acesso a crédito no agronegócio

O relacionamento é outro aspecto crucial para a concessão de crédito no agronegócio, dizem executivos durante o FID23

O agronegócio brasileiro é reconhecido pelo peso elevado na economia brasileira, representando quase 30% do PIB, e pelo uso intensivo de novas tecnologias de plantio e manejo do solo, que garantem avanços na produtividade e conquista de novos mercados. Apesar do bom posicionamento na economia, o setor também tem suas dores e uma das principais é o acesso a crédito, principalmente dos pequenos e médios produtores.

O tema, debatido em painel do Congresso FID23, reuniu representantes de três importantes segmentos – uma fintech do agro, a Agrolend, uma plataforma aberta que busca unir setor ao mercado de capitais, a Traive, e o principal financiador do agronegócio, o Banco do Brasil (BB). Em comum, as três empresas apontam um espaço grande para que a tecnologia seja facilitadora do maior acesso do produtor rural a um financiamento barato e sem burocracia, que democratize o crédito no campo.

A demanda marginal por crédito agrícola chega a R$ 50 bilhões por ano, segundo André Glezer, cofundador e CEO da Agrolend, que busca ser o primeiro banco puramente digital voltado ao agronegócio. “O setor está crescendo a ritmo de 5% ao ano em termos reais há pelo menos 20 anos, com uma demanda por crédito avançando 10%. O Plano Safra não consegue crescer na oferta de crédito no ritmo necessário e mesmo o financiamento via tradings ou industrias do setor também tem limites”, comenta o empreendedor.

A empresa, que até recentemente operava como Sociedade de Crédito Direto (SCD), decidiu pedir o registro de financeira para ser mais competitiva na captação de funding. A licença saiu no fim de abril, como você leu no Finsiders. “O objetivo da tecnologia é levar credito fácil e mais barato. Como fintech, captávamos por meio de instrumentos de securitização, como CRA e FIDCs, que são mais caros. Ao mudarmos para instituição financeira, podemos emitir LCA, por exemplo, e passamos a ter um funding mais barato, com custo menor repassado ao tomador de empréstimo.”

Na fase atual, o objetivo da Agrolend é escalar o produto com planos substanciais de aumento da carteira, hoje de mil clientes, podendo chegar a 100 mil. “Temos um produto bom, funding barato, canal de distribuição, mas somos ainda pequenos. Temos mais de R$ 200 milhões em carteira de crédito e podemos chegar a R$ 10 bilhões com nosso produto, muito menor do que um Banco do Brasil, mas bastante relevante para quem nasceu fintech”, explica o CEO.

Quem também está na fase de escalar um de seus projetos voltados ao agronegócio é o BB, líder com folga em financiamentos para o setor. Lançado na safra 20/21, o projeto Broto virou agora Broto SA. “O Broto é uma plataforma que conecta diferentes elos da cadeia, incluindo linhas de crédito, fabricantes de equipamentos, de insumos para a produção e, claro, produtores do agro. O BB conhece bem todo o ecossistema e reunimos em um local diferentes atores”, explica Ketlin Sfair, gerente-executiva na diretoria de agronegócios da instituição.

Ela brinca que o Broto surgiu como uma startup e agora, como Broto SA, a ideia é escalar produto e incluir novas soluções voltadas ao agronegócio. A executiva menciona, ainda, que todos os produtos do banco estão sendo transformados em APIs, o que permitirá ao usuário da plataforma simular diferentes situações. “Ao comprar um equipamento já simula condições de financiamento no mesmo local ou de seguro; tem opções para avaliar se é melhor um plano de custeio ou emitir uma CPR, como forma de se financiar, e assim por diante. Tudo no Broto.”

A Traive, por sua vez, se apresenta como um facilitador para operações de financiamento no agronegócio. “Também vemos uma demanda por crédito. maior do que a oferta. e a solução tem que vir pela tecnologia. Percebemos que muitos no mercado de capitais não entendem do setor agro e foi esta dor que procuramos resolver”, explica Fabricio Pezente, cofundador e CEO da Traive, lembrando que é muito mais fácil oferecer crédito direto ao consumidor (CDC) a 20 mil clientes na avenida Paulista do que a mil produtores rurais pelo “custo maior para identificar, chegar até o cliente e entender sua realidade.”

O pacote tecnológico oferecido pela Traive, explicou o empreendedor, permite conectar as indústrias da cadeia de suprimentos, financiadores do agro, ao mercado de capitais. “Primeira etapa é colocar na mão dos agentes da cadeia de suprimentos um produto de crédito de forma padronizada e com governança, palavras que a Faria Lima (centro financeiro da capital paulista) conhece. O mercado de capitais só vai financiar se entender como aquela operação se dá, nosso papel é ligar mundos que parecem distantes.”

Relacionamento

Para ele, um ponto essencial para fornecer crédito ao agronegócio é o relacionamento. “Vamos seguir no modelo de proximidade com o cliente porque no agro o relacionamento é valorizado, não podemos quebrar este elo. A ideia é trabalhar com bancos, fundos, financiadores como a Agrolend e também o BB. Proposta é conectar todos”, explica o executivo. “Nosso momento é também de escalar no canal de distribuição. Temos um nicho de crédito agro no Brasil, temos um conceito de plataforma e agora é trazer produtos para dentro. Quem pensa em crédito depois deveria pensar em seguro, por exemplo.”

No BB, mesmo sendo referência no financiamento ao agronegócio com pelo de 60% do mercado, há espaço para uma aproximação grande com as startups. “Muitos pensam que o BB com mais de 200 anos e conhecendo bem o produtor não precisa de parceiros, mas esta não é realidade. Estamos falando de empresas que olham nichos, dores pontuais, enquanto o BB tem uma visão geral dos clientes”, comenta Ketlin.

Segundo a executiva, o banco tem se aproximado do ecossistema de inovação visando trabalhar melhores práticas e construir novos modelos de negócios. “Não é algo que dê para fazer sozinho, as startups são parte do processo, nossas parceiras”, afirma. O BB tem hoje perto de 1,5 milhão de clientes no agro, em presença em mais de 5 mil municípios e trabalha tanto no digital como no físico. “É um cliente com necessidade de contato humano. O agro requer esta proximidade.”

*Jiane Carvalho é a jornalista convidada pelo Finsiders para cobrir o FID23.

Leia também:

O dinheiro digital como fomentador do agronegócio

Agrolend recebe autorização do BC e se torna financeira

Agfintech Traive levanta US$ 10 milhões com braço de VC da BASF

Fintech do agro TerraMagna demite mais de um quarto do time