Por que mais e mais bancos e fintechs estão criando marketplace

Tendência de unir serviços bancários com marketplace ganha força entre neobanks e grandes instituições financeiras

Por Danylo Martins e Léa De Luca, do Fintechs Brasil
Seja para coletar dados, complementar a oferta, engajar e atrair clientes, rentabilizar o negócio, defender território contra o avanço dos varejistas na sua seara, oferecer conveniência, seja pela ambição de disputar com super apps globais, cada vez mais bancos e fintechs vêm criando e incrementando a proposta de marketplace — e não apenas de produtos financeiros, mas de eletrodomésticos e calçados a seguros, viagens e telefonia.

A estratégia, adotada inicialmente por bancos digitais, vem sendo liderada recentemente também por instituições financeiras tradicionais e de maior porte, como Banco do Brasil (BB), Itaú Unibanco e Banrisul. Neobanks como Inter — o primeiro a apostar nesse movimento, em 2019 —, Next (controlado pelo Bradesco), Nubank, Agi e will bank, entre outros, também decidiram investir na combinação entre banking e marketplace.

“O Itaú Shop tem como um de seus princípios o uso intensivo de dados para entender os hábitos de consumo dos nossos clientes nos meios de pagamento”, diz Carlos Formigari, diretor do Itaú Unibanco, que lançou em agosto seu marketplace, depois de dois anos de experiência com a Apple no programa “iPhone para Sempre” — que vendeu mais de 160 mil iPhones em dois anos. O banco tem atualmente 70 milhões de clientes.

Nos próximos meses, o Itaú vai acrescentar às opções de pagamento no marketplace o débito em conta, Pix e outras modalidades, integradas aos canais do banco. “A partir de outubro, teremos também a opção de cashback”, antecipa o executivo, acrescentando que a perspectiva é evoluir a plataforma de acordo com os usos e necessidades dos clientes: “Tecnologia, design e dados compõem o tripé que está transformando a economia e construindo novos ambientes de negócios bastante complexos”.

Outro que entrou no negócio recentemente – no começo de setembro – foi o Banrisul. “Os bancos almejam o engajamento e a fidelização do cliente, que ele passe a considerar sempre o canal ou ambiente do banco como primeira opção para comprar qualquer serviço ou produto”, afirma Claíse Müller Rauber, diretora de produtos, segmentos e canais digitais do banco gaúcho.

“Hoje os clientes querem acessar produtos e serviços que desejam num único local, mesmo que seja virtual”. Como exemplo, cita os iniciadores de pagamento — figura prevista no âmbito do Open Finance — e agregadores de investimentos. Em breve, o Banrisul vai oferecer no shopping virtual produtos e serviços financeiros diversificados do banco. “Estamos trabalhando na ampliação do número de fornecedores e na expansão para outros segmentos como, por exemplo, o agronegócio”.

Segundo Claíse, mesmo antes do lançamento, em duas semanas de ‘soft opening’ foram mais de 100 mil acessos ao Banrishopping. O banco tem hoje cerca de 4 milhões de clientes.

Ouça: Banking + marketplace: a receita do Inter para fidelizar o cliente

Também em meados de setembro, o will bank anunciou parceria com a Magalu, que se juntaria a mais de 240 outros parceiros como Netshoes, O Boticário, Aliexpress, Centauro, Dafiti, Drogasil, Nike, entre outras marcas em diversas categorias que oferecem produtos na sua loja. O banco digital já reúne em sua base mais de 3 milhões de clientes.

Omnichannel

No Agi, o marketplace foi inaugurado no ano passado como uma decisão estratégica para ampliar o portfólio de produtos e serviços, com o objetivo de levar mais conveniência aos mais de 4,2 milhões de clientes — dos quais, mais de 1,8 milhão são ativos.

“Como a grande maioria da nossa base de clientes recebe seus salários e aposentadorias conosco, é natural que parte desse valor seja destinado para o consumo”, observa Marcelo Oliveira, diretor-executivo de tecnologia do Agi.

Uma das grandes apostas do banco digital gaúcho é a operação ‘omnichannel’. “Temos uma fortaleza de digitalização assistida em nossos 882 hubs pelo Brasil”, destaca o executivo, acrescentando que há ainda muita gente com receio ou desconhecimento em relação às plataformas digitais, apesar do crescimento do e-commerce. “São pessoas que, apesar de terem celular com acesso à internet, atravessavam a rua ao sair de um dos nossos hubs para comprar em uma loja física ou fazer uma recarga sem os benefícios que as plataformas digitais oferecem.”

Agi Compras (Foto: Reprodução/site)
Agi Compras (Foto: Reprodução/site)

Atualmente, o marketplace do Agi — chamado de Agi Compras — tem mais de 500 parceiros dos mais diversos segmentos, como vestuário, beleza, recarga de celular, pet shop, gastronomia, viagens, farmácias e garante cashback. “Nosso marketplace está muito mais ligado à nossa estratégia de relacionamento, do que no custo de aquisição”, informa Marcelo. Sem abrir receita ou volume geral de vendas (GMV, na sigla em inglês), o executivo diz que o marketplace atende mensalmente milhares de clientes, com a recorrência crescendo mês a mês.

Sem almoço grátis

Pioneiro na estratégia, o Inter lançou o seu e-commerce no final de 2019, colocando na vitrine gigantes como Magazine Luiza, Casas Bahia, Americanas, Amazon, Netshoes, Samsung, Época Cosméticos, Multilaser, Free Fire, iFood e Uber, entre outros. A ideia foi (e continua sendo) rentabilizar o negócio uma vez que o banco digital nasceu com a proposta central de conta digital gratuita. Hoje, a instituição mineira tem mais de 20 milhões de clientes — mais da metade são ativos.

Inter Shop (Foto: Reprodução/site)
Inter Shop (Foto: Reprodução/site)

“Atraímos muitos clientes com essa proposta no começo. Mas, claro, como empresa privada, a gente precisava monetizar essa base, gerar receita com esses clientes. Então começamos a oferecer produtos financeiros além da conta básica e cobrar por eles. Logo percebemos que não era preciso limitar nossa oferta a produtos financeiros — a gente tinha na mão a atenção dos clientes, algo que é muito valioso, e tinha que aproveitar isso”, diz Marcela Zonis, diretora do Inter Shop.

Esta é a tese de negócios que levou ao crescimento exponencial do WeChat na China — mas no Brasil de 2019 era apenas uma hipótese. Na medida em que foi se provando viável aqui, o Inter tirou a palavra “banco” do nome e, mais recentemente, migrou suas ações para a Nasdaq, um caminho que já vinha sendo pavimentado com a aquisição da fintech norte-americana Usend, concluída em janeiro deste ano. A ambição, como já reiterou diversas vezes o CEO João Vitor Menin, é ser um super app global.

“Percebemos que a estratégia de diversificação era interessante como negócio, e hoje a receita dos serviços financeiros corresponde a mais ou menos à metade do total, o que nos torna mais resilientes”, revela a executiva. Segundo Marcela, foi a diversificação que garantiu um bom desempenho do Inter durante a pandemia.

A executiva informa que em 2019, o Inter transacionava menos de R$ 50 milhões em produtos financeiros; em março de 2020, lançou duas novas verticais de produtos não financeiros (e-commerce e viagens) e no final do ano, mesmo com a pandemia, já transacionava R$ 1,2 bilhão; em 2021, chegou a R$ 3,5 bilhões. “No segundo trimestre de 2022 crescemos 30%, fizemos quase R$ 1 bilhão em valor transacionado.”

Marketplace por segmento

Com mais de 200 anos, o Banco do Brasil (BB) — que investiu mais de R$ 20 bilhões em tecnologia nos últimos cinco anos — quer personalizar cada vez mais a oferta de produtos e serviços para os clientes, numa proposta de entregar “um banco para cada cliente”, como repetiu algumas vezes Fausto Ribeiro, presidente da instituição, durante o BB Day, realizado na semana passada. “A base de tudo o que fazemos é criar vínculos duradouros com os clientes.”

A atuação em ecossistemas, com a intenção de ir além do banking, é a estratégia colocada em marcha pelo BB nos últimos anos. Ao contrário de seus competidores, a instituição — que possui mais de 80 milhões de clientes — não montou um marketplace, mas três propostas diferentes conforme o público.

Para os clientes do agronegócio — setor em que o banco tem uma carteira de crédito de mais de R$ 260 bilhões —, o BB lançou há dois anos o Broto, plataforma digital que facilita o acesso dos produtores rurais a produtos e serviços bancários e não bancários.

Desde a criação, a plataforma contabiliza R$ 2 bilhões em negócios, disse Fausto no evento para investidores. “Disponibilizamos aos agricultores mais de 600 sellers e ofertas de mais de 2 mil produtos. Temos cerca de 28 mil clientes cadastrados. Nesse ecossistema digital, já são mais de 985 mil acessos acumulados desde o lançamento”, afirmou Fausto.

Leia também: No futuro, qualquer ambiente digital poderá iniciar pagamentos

No fim do ano passado, o BB inaugurou a Loja BB, com foco em pessoas físicas, que reúne a seção de marketplace (compras com cashback), gift cards, cupons de descontos e outros benefícios, além de recargas de celular. No marketplace, existem atualmente 27 marcas disponíveis.

“Aproximadamente 4 milhões de clientes usaram a Loja BB no primeiro semestre, movimentando um volume de R$ 430 milhões em compras”, disse o executivo.

Há cerca de dois meses, o BB também colocou no ar a Liga PJ, marketplace com foco em pequenas e médias empresas (PMEs). O ambiente digital funciona como um espaço para troca de informações, conteúdo técnico, experiências e conexões negociais entre os próprios empreendedores, afirmou Fausto.

O executivo citou, ainda, que os dados são fundamentais para a instituição conhecer melhor seu cliente e, assim, ofertar as soluções mais adequadas. “A partir de IA e inteligência de dados, queremos nos consolidar cada vez mais como um banco orientado por dados”, destacou.

Três em um?

Enquanto o Itaú resolveu ingressar no mundo dos marketplaces, o Bradesco não tem uma estratégia unificada nesse segmento.

O Next, banco digital gestado na Cidade de Deus, possui seu próprio marketplace, lançado em novembro do ano passado. Já o Bitz tem integração com o ShopFácil, shopping virtual que também pertence ao Bradesco. O Digio, por sua vez, tem um programa chamado Descontinho, que dá descontos de até 60% em diversas lojas.

O mercado já tem se questionado sobre a estratégia do banco em manter as três operações – Digio, Bitz e Next – apartadas ou juntá-las, ganhando poder de fogo para enfrentar a competição acirrada com outros neobanks, como Nubank, Inter e C6 Bank. O presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, chegou a dizer que havia chance de unir os três negócios, mas em entrevista ao Valor no início deste mês ele disse que o plano ficou para trás.

nextShop (Foto: Reprodução/site)
nextShop (Foto: Reprodução/site)

No mundo dos investimentos, a Ágora — também controlada pelo Bradesco — acaba de lançar sua loja, o Ágora Plus. O espaço é exclusivo para compras em diversas lojas com descontos especiais e cashback para os clientes da corretora. A plataforma nasce com cerca de 50 lojas e reúne parceiros comerciais de diferentes segmentos como serviços, vestuário e entretenimento, entre outros, incluindo grandes varejistas.

“Queremos estreitar cada vez mais o relacionamento com nossos clientes, reforçando o compromisso da Ágora de ser um hub de investimentos, soluções financeiras e benefícios exclusivos, atendendo as mais diferentes necessidades ao proporcionar a conveniência de encontrar tudo em um único local”, disse Luis Claudio de Freitas, diretor-geral da Ágora Investimentos, em nota.

Futuro

A criação dos marketplaces por bancos e fintechs se insere num contexto de aumento da competição no setor, que tende a se acentuar com a implementação do Open Finance. Grandes varejistas, como Magazine Luiza, Mercado Livre e Via (dona da Casas Bahia), também aumentaram suas apostas em serviços financeiros ao ponto de algumas dessas operações se tornarem tão grandes quanto os negócios principais.

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“Antigamente, os bancos ‘amarravam’ o cliente com programas de fidelidade. Agora, precisam sofisticar isso. Ao irem além do banking, conceito que vem sendo chamado de ‘beyond banking’, as instituições ampliam o relacionamento com os clientes, conseguem ter mais informações e dados, entendem o perfil de consumo e, assim, aprofundam a personalização dos serviços financeiros, oferecendo produtos mais adequados a cada perfil”, explica Bruno Diniz, especialista em inovação financeira e sócio da consultoria Spiralem.

A diversificação surge também como uma questão de sobrevivência na era das fintechs 2.0: “Somente os que entregarem valor além de serviços financeiros vão ficar no jogo”, diz Gueitiro Genso, consultor, investidor-anjo e ex-presidente do PicPay. “Haverá necessidade de considerar de fato as ‘dores’ do consumidor e repensar os modelos de negócio. Somente se enxergar entrega de valor, o consumidor vai continuar aceitando pagar”.

Para Boanerges Ramos Freire, especialista em varejo e serviços financeiros e presidente da consultoria especializada em varejo Boanerges & Cia, as fronteiras tradicionais estão desaparecendo. “Loja é banco e banco é loja”, aponta. “Agora o cliente passa de fato a ser o centro e ter mais poder de liberar dados — ou não — para receber ofertas personalizadas. Com o aumento da concorrência, os bancos estão defendendo fronteiras já conquistadas e se preparando para o ataque a outros mercados e segmentos para participar mais ativamente deste cenário de maior competição.”

Entre os desafios estão entender as diversas necessidades dos clientes, a partir da captura dos dados. Ou seja, não basta construir um marketplace ou plugar esse tipo de plataforma no aplicativo, mas analisar o perfil de consumo e, assim, ir atualizando a base de parceiros e ofertas. “Isso significa cuidar de um ecossistema. Precisa podar, regar as plantas”, brinca Bruno.

Para Guga Stocco, conselheiro de empresas como Totvs e Banco Original, e sócio da Futurum Capital, as instituições financeiras têm espaço para ocupar no novo arranjo de pagamentos que se desenha – mas terão que andar mais depressa. “A experiência em aplicativos financeiros ainda está longe da personalização. É preciso trazer mais e mais o digital para o financeiro. Quem chegar primeiro, bebe água limpa”.

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