A onda de fusões e aquisições de startups... não chegou!

Arnaldo Rocha, da DealMaker, analisa a "calmaria" vista entre o fim de 2022 e início deste ano em operações de M&A envolvendo startups

Por Arnaldo Rocha*, exclusivo para o Finsiders
O racional era — e ainda é — sólido: considerando que mais de US$ 22 bilhões foram investidos em startups brasileiras nos últimos 5 anos, que naturalmente a maioria das startups não chega à maturidade e dado o fortíssimo ajuste do mercado de capitais no ano passado, estávamos todos certos de que um grande fluxo de transações, de todos os tamanhos, não só alimentaria o mercado de assessores financeiros, jurídicos e grandes bancos, mas também o grande número de empresas mais tradicionais que precisam de tecnologia, equipes e inovação para crescer.

De fato, segundo o Distrito, em 2021 houve mais de 250 operações de M&A envolvendo startups. Mas o que poderia explicar a queda para 200 transações em 2022, justamente o ano do ajuste e, pelas notícias que acompanhamos, uma relativa calmaria entre o último trimestre de 2022 e o último mês de janeiro?

É impossível afirmar com certeza o que está acontecendo, mas temos bons indícios de que um conjunto de fatores conhecidos se combinaram para retardar ou mesmo segurar um aumento expressivo das transações envolvendo startups.

Muitas das startups com que conversamos recentemente estão ajustando suas operações, reduzindo despesas, priorizando os projetos com caminhos mais curtos para geração de caixa e redesenhando sua estrutura organizacional.

Aquelas que iniciaram este processo mais cedo e/ou dispõem de receitas ou recursos captados que lhes dão “pista” suficiente para executar e capturar os benefícios dessas medidas, provavelmente vão demorar para retornar ativamente ao mercado de capitais, seja para captar recursos ou buscar alternativas de fusões e aquisições.

Ao mesmo tempo, vemos um bom número de empresas com operações com modelos de negócio, tecnologia e/ou escala insuficientes, mas que por meio de um conjunto de medidas de ajuste, aporte dos sócios e investidores existentes, aguardam uma oportunidade de desinvestimento. Para muitas delas o problema será não ter nem escala de receitas, nem tecnologias boas o suficiente para se tornarem alvos de potenciais compradores.

E vemos um conjunto menor de empresas, que são sustentáveis, mas que aguardam melhor momento para acessar os mercados.

Arnaldo Rocha, managing partner da DealMaker. Foto: Divulgação
Arnaldo Rocha, managing partner da DealMaker. Foto: Divulgação

Em outra dimensão, sabemos que mudar expectativas individuais leva algum tempo, mas mudar expectativas e ajustar incentivos e contratos leva mais tempo ainda em uma organização com alguma governança. Ou seja, mesmo que individualmente os operadores de negócio saibam que terão que fazer ajustes em suas operações, valuation, captação, M&A, e metas sobre o futuro da companhia, esses ajustes levam algum tempo para permear as organizações e se transformarem em ações consistentes, como buscar um comprador.

Compradores de startups também foram afetados

Ao mesmo tempo, entre os compradores, um grupo de empresas de capital aberto esteve muito ativo nos últimos anos, por exemplo, Magazine Luiza, Linx, Locaweb, Totvs, B2W, Afya e Ifood, que conjuntamente adquiriram 104 startups em 2022, segundo o Distrito. Mas apesar desse alto grau de atividade, se olharmos a frequência de anúncios, eles diminuíram significativamente ao longo de 2022, sinal de que os compradores também foram afetados pelo ajuste no mercado de capitais.

Além do cenário mais incerto, o aumento do custo de capital e a necessidade de concentrar recursos em projetos de maior potencial ou de resultado comprovado também afetaram os compradores, no mínimo aumentando seu grau de exigência em relação a potenciais alvos, cujo valor tem sido ajustado para abaixo em relação às referências de múltiplos que vimos em 2019, 2020 e 2021.

A dinâmica competitiva entre fundos de Venture Capital, que alimentou parte da bolha de ativos que passou, mudou o patamar das referências de valor de meados da década passada. Múltiplos de 3x receita que eram (e hoje voltaram a ser) muito expressivos para quase qualquer negócio, e que muitas vezes já descolavam de projeções de fluxo de caixa descontado, deram lugar a múltiplos de 7x, 8x ou até 10x receita nas expectativas dos founders.

Com exceção de negócios realmente únicos e de alta qualidade, essas referências de valor deixaram de fazer sentido, mas foram utilizadas em muito do que se fez nos últimos anos. Esta redução na atividade de mercado de capitais, com ajustes de operações, expectativas e contratos, está atuando como um quebra-mar sobre a onda potencial de M&A envolvendo startups.

Porém, com os sinais de melhoria vindo dos EUA, considerando que o Brasil iniciou ciclo de controle da inflação bem antes e esperando que nosso novo governo mantenha algum equilíbrio de contas, é possível que tenhamos uma melhoria de condições ao longo de 2023 e 2024 e que poderá catalisar muitas operações que precisam acontecer.

As startups que utilizarem bem este tempo, ajustando de forma decisiva suas operações e se preparando para acessar os mercados, terão maior chance de sucesso.

*Arnaldo Rocha é managing partner da DealMaker, M&A Advisory para economia digital, e investidor em startups de estágio seed a scale-ups.

As opiniões neste espaço refletem a visão dos especialistas e executivos de mercado. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações apresentadas pelo(a) autor(a) do texto.

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